O suicídio

Ele é mudo e não sabe. Grita o mais forte que consegue, ou tenta. Pensa estar gritando ou ao menos que sua feição de agonia e desespero teria deixado explícito diante daqueles que a olham no fundo dos olhos e não vêem. Eles são surdos ou se fazem. São cegos, esses bichos esquisitos que arrancam os seus próprios olhos e os tomam por adorno para ver de vez em quando. Ainda assim ela grita, esse seu grito sofrido, do fundo da alma de um ser esquecido, que se infiltra na mente dos homens parecendo tão distante. É um eco, se espalha e se dispersa, silenciosamente grita, quer ser ouvido. Quer ser visto até que chegue a hora onde isso não é mais possível.

— tem gente que arrisca, há os que conseguem. E de tanto arranca, arranca foi-se a sua esperança com a vida.

É uma pandemia silenciosa, essa, que tanto se retorce, os homens não a notam na tosse ou no calor por baixo da pele mas na falta de voz e na frieza.

— nesse arranca, arranca foi-se um coração. Ele não sabia o que fazer com aquilo que tanto doía, é tipo dor de siso, dor de edema, de fio encravado, unha torta: se tira e se resolve o problema.

— e quando tanto dói a vida?

Por muitas vezes ela gritou. Na busca da sua cura foi ter com o padre que contando de Deus falou do perdão e do pecado. Ele era surdo, usava os ouvidos nos bolsos e colocava de vez em quando depois os retirava, mas punha a se falar sempre: sem mudar seu discurso só ouvia a si mesmo, tinha olhos pra ver mas já sabia o que queria achar. Saiu dali em busca de outro que sanasse os seus males, viu na rua um homem engraçado, sorria muito mesmo sem saber o que queria dizer ter encontrado o sentido da vida. Mesmo sem os sentidos que tinha e andando em círculos em volta do próprio eixo: perguntava pros homens que passavam perguntas mesmas, e anotava porcentagens para comprovar suas vontades.

— e quando dói ?

— ou se cura ou se arranca: se puder se arrancar.

— como me escuta?

— não te escuto. Apenas ouço minha vontade.

— e quando são cegos?

— descreva.

— e quando são surdos?

— escreva.

— e quando me calam ao arrancar seus ouvidos?

— Ninguém te escuta em nenhum momento, eu mesmo só escuto o que quero que você me diga.

Carlos Lana

Carlos Lana
Enviado por Carlos Lana em 15/10/2023
Reeditado em 15/10/2023
Código do texto: T7909397
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