Espiritualidades
Gutemberg Armando Diniz Guerra
Engenheiro agrônomo
Nasci em uma cidade dedicada a todos os santos, povoada de terreiros, largos e templos de inúmeras confissões religiosas. Fui batizado ainda menino na Igreja de Santana pelo Monsenhor Aires, fiz catecismo para a primeira Eucaristia e fui crismado, chegando a desejar intensamente ser monge contemplativo em uma fase da juventude. Fui coroinha na Catedral da Sé em Salvador, rezei trezenas a Santo Antônio na casa de Dona Mundinha, desfiei centenas de Rosários a Nossa Senhora, acompanhei meses de maio cantando hinos de louvor mariano, comi carurus dedicados a São Cosme e Damião, participei de cultos evangélicos, inclusive um em Paris quando acompanhei uma amiga que se manifestou e me fez ser seu tradutor entre seus congregados.
Experimentei uma sauna sagrada no Vale do Capão, tendo como sacerdotisa uma estudiosa de religiosidades pagãs. Participei de um shabat em uma Sinagoga em Nova York, levado por um queridíssimo amigo judeu, e ali fiquei ciente de que a estrutura do culto cristão tem fundamentos naquela cultura de onde Jesus viera. Fiz a romaria de Bom Jesus da Lapa junto com camponeses da Diocese de Alagoinhas e subi o morro calcário para tocar o sino de pedra ali plantado sabe-se lá por que divindade. Assisti palestras espíritas e conheci alguns pejis ao longo da vida, em distintos lugares deste enorme país. Frequentei lagoas encantadas, contemplei paisagens mágicas e nadei em rios e mares sagrados, fazendo sempre persignações antes de me deixar imergir, além de saltar ondas nos primeiros dias dos anos em que os mares se inundam de flores e prendas às divindades das águas.
De cada uma dessas experimentações constatei que havia convicções e buscas esperançosas de vida eterna e de ligações com parentes e amigos, em laços tecidos ou emendados para que se perpetuassem os afetos. Confrontado com a celeridade do tempo e o desaparecimento de familiares e amigos lembro reincidentemente de que vim do pó e de que ao pó retornarei. Cientificamente sei que as partículas que nos compõem existem desde o início do universo, que ninguém sabe quando nem como foi criado, inventado, surgido. Sei também que quando ao pó retornar essas partículas estarão circulando sabe-se lá em que corpos ou solidões! Isso me dá uma impressão de ser eterno: sem começo e sem fim!
Enquanto isso, celebro a vida em cada flor que me sorri, em cada gorjeio que me desperta, em cada raio de luz que me ilumina!
Vou tentando me convencer de que pode haver uma continuidade dessa existência misteriosa que nos foi concedida, doada, presenteada e que não nos será retirada a troco de nada, em que pese as ameaças das autoridades espirituais constituídas por sacerdócios institucionais formalizados em vestes simbólicas e liturgias mirabolantes.
De todas as certezas que me ficaram até agora, uma rege a minha vida: o respeito ao próximo e às crenças de cada um, entendendo que as forças espirituais e cósmicas agem em cada pessoa conforme suas potencialidades e limitações.