ALFORRIA (BVIW)

Coisa dolorida é sentir os primeiros vestígios de uma relação amorosa que chega ao fim — quando um dos dois, ou os dois, começa a se retirar devagarinho. É como pisar em areia movediça: quanto mais se busca algo a que se agarrar, mais longe a chance de alcançar terra firme. Vem então a vontade desesperada de prender. O desejo de reverter é limítrofe: o que fazer para as coisas voltarem a ser o que foram um dia? Também é comum que se pense em culpa. E essa vem junto com a mais antiga das perguntas: onde foi que erramos? Em que momento deixamos o amor rumar para o precipício?

Sentir a perda quase palpável de uma ruptura traz um amargor inexplicável, mas a certeza de que não há erro nos cálculos é a demarcação de fronteiras para se bater em retirada. No amor, também, nada é por acaso. Ao ritmo de conta-gotas, ele pode arrefecer sem tempo para qualquer salvação — se é que nesse caso exista alguma. Tudo começa com uma falta de assunto aqui, um descuido ali, uma pequena implicância gratuita acolá — terrenos férteis para o desgaste impiedoso. Quando o olhar se distancia, contudo, é porque o coração já pediu alforria faz tempo. Então é hora de fazer as malas e seguir. Se possível, sem olhar pra trás.

Tema da Semana: Quando o olhar se distancia (crônica)