Entrega do corpo
A entrega do corpo ao mundo dos mortos é um rito melancólico porque quem fica tem um sentimento de pertencimento, não no sentido de objeto, mas na condição de relacionamento. E toda relação parece, e deseja-se que seja, eterna. Uma eternidade que dura de acordo com o chamado do além. Neste aspecto, o vivente não nasceu enganado, ele desde que respirou pela primeira vez, aliás, desde a sua concepção, no livro mais antigo do tempo está escrito que tudo o que é vivo morre ou descansa. Mas no desenrolar da vida, o esquecimento toma conta de um fato premeditado, e o desespero surge como se fosse surpresa. O vivente não se prepara para a grande viagem sem bagagem e sem bilhete de volta. É uma caminhada solitária, secreta, dolorosa, e o destino depende de seus atos, fé e crença. O problema mais desafiador é para quem ficou porque a dor e a saudade não têm remédio, nem doutor. Essa dor não é da carne, é da alma, e para curar a alma busca-se fortalecer a espiritualidade através da metafísica. Essa compreensão da natureza humana, bem como a realidade e a existência, perde-se pelo caminho, depende das experiências de vida. Decerto que com o passar da noite, os dias terão sol mais brilhante, e até a primavera florescer, as lágrimas regarão a tristeza. Na entrega do corpo, uma explosão de sentimento toma conta do momento: paleta de cores escuras, óculos de sol, lenços, gritos de dor, dramatização, reunião, solidão, oração e uma boa pinga que é para acalmar os nervos.