Tradições de Família
Eu tinha um Tio-avô que usava bordões com certa frequência. Eram como aqueles velhos ditados populares, mas era só ele que eu ouvia falar isso.
Tinha um que eu demorei muito pra entender, eu era criança, inocente. Foi uma vez que estávamos jogando damas, que aliás é uma das tradições da família do meu pai. Então foi oferecido ao meu Tio-avô, algo pra comer, não me lembro o que era, mas não esqueci da resposta dele: "Pra comer o que é dos outros, não falta apetite". Todos riram, meus tios e meu pai, mas eu fiquei em silêncio pensando, não entendi a piada.
Não entendi onde estava a graça. O mais interessante é que mesmo sendo criança, o olhar depreciativo dos meus tios, já faziam sentir-me um imbecil, por não entender a piada.
Eu ficava sempre a borda da mesa, na esperança de jogar, mas era sempre o último a poder jogar. E ainda assim, só jogava quando meus tios já tinham parado. A minha sorte é que meu Tio-avô, que eu chamava de tio Valdemar, gostava muito de jogar damas, e por isso jogava comigo o tanto que eu quisesse. Aprendi a jogar damas com meu avô, que era irmão do tio Valdemar. Eu nunca ganhava, mas gostava de jogar com tio Valdemar, ele era um mestre mesmo. Era o único que ganhava do meu pai e do meu tio. E eu sinceramente, achava que eles nunca perdiam, porque sempre ganhavam de todos que jogavam com eles. Quanto melhor jogador de damas a pessoa fosse, mais era respeitado. O interessante é que o tio Valdemar ganhava e ainda debochava deles, nessa hora eu ria também. Homens orgulhosos, e por muitas vezes arrogantes, se esforçando pra explicar porque tinham perdido. Nessa hora eles me enchergavam ali, minhas risadas eram ofensivas ao orgulho ferido deles, tentavam se explicar pra mim.
Eu precisei aprender a jogar damas bem pra poder conquistar o respeito deles. E os vencer no jogo hoje é fácil pra mim, aprendi com muita luta. Hoje somos bons amigos, ainda que morando longe, e sempre que nos vemos ou nos falamos, surge o jogo de damas no assunto.
Por coincidência, na época que eu morava em BH , tio Valdemar morava longe também, na cidade de Montes Claros. E ele gostava tanto do meu pai e meus tios que ia pra casa deles antes de ir na casa dos filhos.
Do meu querido tio Valdemar, só restam as lembranças, é de longe, o maior jogador de damas que eu já conheci. Tem o meu respeito eterno.
Lembro que uma outra frase dele era : "É do erro que vive o escrivão", ele falava isso quando o adversário errava e ele via e ganhava vantagem no jogo. Até hoje meu pai e meus tios repetem isso.
O jogo de damas que está comigo hoje, foi um presente que tio Valdemar deu ao meu avô. Eu guardei comigo até hoje, é de madeira e já tem mais de 50 anos, é bem mais velha que eu.
O jogo de damas é hoje um motivo de união da família. Quando visitamos meus tios ou quando eles nos visitam, jogamos damas o dia todo.
As lembranças e historias surgem na hora, boas lembranças.
Apesar de serem homens brutos, meus tios e meu pai tinham um carinho enorme pelo tio Valdemar.
Eu tenho saudades dele também.