Às Pessoas da Minha Vida
Muitos questionam porque cargas d’agua alguns escrevem
E creio não ser uma pergunta tão difícil
Acredito que a grande maioria, assim como eu, escreve para EXPRESSAR
Mas expressar o que?
Ora. Coisas que não se consegue transmitir simplesmente falando
Aquelas coisas básicas que é preciso dizer todos os dias como: eu te amo, você é importante para mim, me perdoe. Coisinhas tão simples de falar, mas que o orgulho não deixa
Coisas que se sente, mas não se fala, se guarda, mas não se admite, se cultiva, mas não se vê, ou melhor, se vê, mas se finge não ver
Ciúmes que se tem, mas se morre negando, para os outros e para si próprio
Invejas que tomam conta da alma, mas nunca se reconhece, claro
Admirações que se têm pelos outros, mas se guarda, somente pra si, e se joga no fundo das gavetas de nosso orgulho idiota
Voltemos um pouco ao passado
Quantas palavras lançamos só pra ferir. Porque algo no outro nos incomodou, talvez alguma coisa que a gente queria ter e não tem, queria ser, mas não é, queria realizar, mas não consegue.
Algo incomodou, nosso ego não aceitou e preferiu se compensar, ferindo alguém com palavras afiadas e com alvo certeiro. Afinal, existe atitude mais cruel que menosprezar algo que alguém vêm nos contar, carregado de empolgação, de alegria e emoção? Tudo por que? Porque não temos coragem de admitir a covardia de não ousar ser feliz como o outro ousa
Por que será que a gente passa a vida dizendo coisas que não sente? Enquanto não tem coragem de dar vida e palavras aos sentimentos mais verdadeiros
Tem coisas, em nós, que pulsam. Forçam as portas da alma em busca de liberdade. Gritam dentro da gente pedindo por socorro. Percorrem um labirinto imenso em busca de uma saída
A gente fala não, enquanto o peito diz sim
Diz que não gosta, e o coração grita que adora
Fica em silêncio, quando a voz vibrante de nós quer falar, gritar, chorar, clamar, pedir, implorar
A gente diz que não se importa, mas a alma vocifera que, não só se importa, como também, vai morrendo ao poucos
Essa é a expressão correta: morrer aos poucos
A contradição que existe dentro de cada um mata aos poucos. Implode dentro de nós e destrói, também, a vida que existe ao redor. Mata as amizades, os amores, relacionamentos, encontros, alegrias, bons momentos. Enfim, tudo aquilo que o mais profundo de nós sabe, tem de ser valorizado, mas não sei porque, preferimos fingir que, mais além teremos tempo de fazer e refazer, de dizer e consertar
Que dificuldade temos em admitir coisas verdadeiras. Coisas que são. E não há como não serem. E só o fato de serem, as faz ser. E não é porque não existem que não são. Elas são, mesmo quando não existem
Se a gente se desse conta de quão imenso se torna ao admitir que as pessoas que fazem parte de nossas vidas são infinitamente importantes pra nós.
Querendo experimentar um pouco dessa imensidão, e já que não temos coragem de dizer, escrevemos
Pessoas são nosso maior tesouro. A única certeza que existe em nosso efêmera existência. Pessoas são as únicas coisas que, realmente, são. Pois o passado não passa de memórias abstratas, e o futuro são as projeções das memórias do passado. Portanto o que temos é isto aqui, e as pessoas que convivem nisto aqui
Os seres de nossa vida são um mistério. Não creio que sejam ao acaso. Acredito que sejam predestinados. Sim. Acredito. Me refiro aos encontros, pois há pessoas que a gente esbarra e há pessoas que a gente encontra. A uma certa altura da vida, a alma acaba percebendo que esses encontros nascem com ela, desde o princípio.
É incrível, e ninguém percebe. Depois que se têm encontros verdadeiros ao longo da vida, descobrimos que determinadas pessoas não surgiram, mas sempre existiram em nós. Depois de conhece-las, não é mais possível lembrar de nossa existência sem a presença delas. Não se sabe em que canto da nossa vida elas estavam, mas elas estavam lá, desde o começo. Podemos repassar nossa vida inteira, desde a infância, quando nem se sonhava em conhecer certas pessoas, mas a presença delas está ali, está sempre ali, no nosso coração e no nosso sentimento
E é só por isso que alguns escrevem
Pra tentar o conserto das bobagens e estragos que fazemos ao longo da vida. Pra nos desculpar, com os outros, e conosco mesmo. Afinal, ao machucar o outro, descobrimos no final, com muita amargura, que acabamos machucando nosso próprio coração
Escrevendo conseguimos admitir que somos pequenos, inseguros e frágeis. E pra compensar tudo isso, acabamos criando um ser altivo e forte, corajoso e frio, sábio e cheio de razão. Alguém tão inabalável que exista, talvez, tão somente para os outros. Mas que, diante de nós, se torna uma criança indefesa, que busca, quase sempre, ser admirada e amada
De novo pergunto: Tudo isso pra que? Sei lá. Talvez pra nos compensar de nós mesmos
É isso, escrevemos como pedido de desculpas, escrevemos pra desnudar, pra retirar um pouco o peso da alma, pra nos mostrar um pouco como, realmente, somos, de forma menos ácida e mais poética. Pois com poesia até as coisas mais pesadas se tornam mais leves
Em suma, e é hora de assumir, finalmente, a primeira pessoa
Escrevo pra ver
Se de tanto escrever
Consigo entender
Que enquanto eu me inventar, não vou existir.
Joaquim Távora
10 de setembro de 2023.