Alteridade entre boves et oves

 

           Em alguns filmes de farwest, havia uma distinta separação entre os criadores de bois e os de ovelhas; sucedia troca de tiros e uma verdadeira matança de ovinos, no prado, por tiros a distância, por sofisticados rifles com luneta, feita por criadores de gado, como se fossem competições de tiro ao alvo, contra a lana ovina. No fundo, as razões, talvez, seriam as de que o pasto, cobiçado para bois, vacas e bezerros, não fosse invadido por milhares de ovelhas, com leves despesas, que se multiplicavam mais facilmente do que o graúdo boi. Ainda, economicamente, tal invasão acontecia no comércio da carne. Termos depreciativos empregavam-se aos criadores de ovelhas, como eles fossem ameaças aos lucros e às vantagens dos criadores de gado, que formavam um partido, e, forçosamente, os de ovelhas o outro lado, vítima de preconceitos e de jocosos apelidos. Alguns alegam que a ovelha, na pastagem, comparando-a com o boi, ao comer, arranca a grama pela raiz... E em se tratando do west, infelizmente, revólveres e fuzis eram a lei, escrita em cores diferentes, predominantemente a de cor de chumbo e a de cor de sangue... Assim se constituía, nitidamente, dois grupos sociais, ou a alteridade entre bois e ovelhas.
          Coisa semelhante vi também, em filmes americanos, qualidades separativas entre proprietários de caminhões, caminhonetes, longos carros e versus o grupo de possantes motocicletas, com pneus como se fossem de jeep, geralmente conduzidas por hippies, fardados de jeans, rabos de cavalo e casacos enfeitados por enormes broches. O roteiro mostrava insatisfação e revolta, ao ponto de se esclarecer o desejo de desocupar a estrada, de passar por cima ou expulsá-los da rodovia. Ao assistir essas películas, passei a comparar as motos às ovelhas, e os possantes veículos aos bois...
           Por aqui, é comum escutar menções aos motoqueiros, a quem, injustamente, são atribuídos os imbróglios do trânsito, acidentes, desastres e sinistros. Não quero inocentar alguns tresloucados dribles de alguns, tentando se desvencilhar dos carros, nos demorados engarrafamentos, quando alguns retrovisores são atingidos. Mas, se aquelas motos fossem carros, muito numericamente, tais congestionamentos seriam bem maiores... No entanto, cria-se um preconceito de enorme irresponsabilidade aos motoqueiros, ao ponto de se formarem dois grupos: o dos privilegiados donos de automóvel e o dos trabalhadores motorizados para ida e vinda do trabalho ou do serviço de entrega de correspondências, coisas e comidas. E nesse mundo, haja raiva a quem usa moto, no nosso confuso trânsito, sobretudo quando alguns boys aceleram, causando estrondos pelos barulhentos canos de escape. Mutatis mutandis, haveria alteridade entre donos de carros e motoqueiros.
          Dar-se-ia aqui o princípio do preconceito: a formação de um ego coletivo ou grupal versus um alter coletivo, com qualidades e características generalizadas. No machismo, o homem a se considerar o ego, o alter seria a mulher. No nazismo, os adeptos nazistas formavam, militantemente, o ego coletivo; e os judeus, perseguidos, o alter, em etnia segregada. A alteridade se pratica assim, gerando um sentimento de afinidade entre aqueles que pertencem ao ego ou de uma simpatia congregadora, como a dos uniformizados Ku klux kan, por antipatia, contra os negros. Tal fenômeno social, cultural e antropológico, quando não se respeita o relativismo de valores sociais e culturais, causa alteridade discriminatória. Enfim, as coisas, que ditas teoricamente em formas complexas, acontecem, a olhos vistos, num modo muito mais simples e cogitativa. Nesse sentido, reflete e poetiza Schiller ao ver o outro: “Um homem de valor pensa em si mesmo por último”.