Onde mora a felicidade?

Onde mora a felicidade?

Onde mora a felicidade? Não mora, não tem casa, é andarilha, pousa às vezes, vezes mais, vezes menos. Não admite receitas, regras nem milagres. É rebelde, atrevida e teimosa. Muitos, por a procurarem demais, acabam ficando para trás, restando-lhe uma miragem. Queremos um oásis, mas sequer caminhamos para encontrá-lo. Alguns almejam que se materialize diante de si imediatamente.

Ah, porém engana-se quem entende a felicidade como satisfação plena. Está mais para um gozo que, ainda que múltiplo, é efêmero. Mas, talvez, se você recorrer a drogas (incluindo medicamentos), praticar yoga, meditação, academia, terapia, viagens... e cumprir uma lista interminável de pré-requisitos para ser feliz, é provável que não viva, sobreviva diante de tanta ansiedade para convencer o outro (e a si) do quanto é incrível, um super-homem, uma mulher-maravilha, movidos pela aprovação alheia e alienados do ser pessoa, ser gente, com suas fraquezas, seu direito de chorar que foi, aos poucos, anulado.

O escritor David Malouf define em O que é a felicidade? como sendo um estado que pode ser duradouro e contínuo, mas também pode ser uma questão de surpresa [...]. O impasse estabelecido ocorre quando o indivíduo teme as surpresas, se revestindo de uma falsa segurança, armadurando-se numa casca que bloqueia a sua realização em diversos âmbitos: afetivo, profissional etc. Por temer o acesso até si mesmo, por ter tantas possibilidades diante de si, prefere se limitar a encarar o desconhecido.

E esse movimento estacionário tem sido fonte de frustração e sofrimento para muitas pessoas. Por isso, explica Freud, recorremos ao mecanismo da sublimação para que os nossos impulsos se reorientem para outros objetos de satisfação. O pai da psicanálise exemplifica em O mal-estar na civilização que a alegria do artista ao criar, ao dar corpo a suas fantasias, a alegria do pesquisador na solução de problemas... Temos tanta inclinação para problemas que, mesmo quando não os temos, nós os criamos, colocamos uma lente de aumento diante do minúsculo obstáculo para nos convencermos de que o melhor é cruzar os braços e torcer para que alguém logo nos venha consolar.

Mas é preciso olhar mais vezes para o horizonte de possibilidades como forma de projetar esperança, de nos sentirmos vivos. Viver não é uma montanha-russa – metáfora tão utilizada para dizer que a vida é feita de “altos e baixos”. As curvas desse brinquedo são previsíveis, e as variações de altura; diferentes da nossa existência. Esse discurso do pico da montanha ao qual somente os privilegiados parecem chegar é uma construção cultural, mais um episódio da série de competições que os seres humanos estabelecem entre si. Não basta ser e ter – tem que mostrar, ostentar até que o outro se sinta infeliz. Não é que o seu “vizinho” não possa ser feliz, o inadmissível é ser mais do que você.

No mundo em que se exige tanto protagonismo, quem estiver nos bastidores é invisibilizado e/ou visto como inferior. Mas a felicidade e a vida como um todo não são montadas em um palco. É no silêncio. Na tranquilidade, mesmo eufórica. Naquilo que o olhar não alcança, mas que uma escuta atenta tem a capacidade de resgatar e ressignificar. Antes, é preciso parar de gritar, ou retirar das orelhas o fone de ouvido que toca música alta, impedindo-nos de nos escutarmos. Estamos olhando só para as vitrines, atendendo aos pedidos de compras, aos fetiches coagidos.

A cultura materialista nos impõe necessidade de desejar tudo-ao-mesmo-tempo-agora. E nessa parafernália de desejos nenhum consegue ser preenchido, restando-nos o vazio denominado infelicidade. Felicidade – como alguém disse – talvez fosse desejar uma coisa só. Já que isso não é possível, diante de tantos apelos, o caminho – quem sabe – é exigir menos de si e do outro. Sonhar um sonho (im)pulsivo na quietude que nos chama.

(Texto publicado em A União em 06/10/2023)

Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.