Amor incondicional
Sempre que falamos de amor pensamos em alguém próximo, irmão, mãe, pai, amante (no contexto amplo da palavra), mas se formos mais a fundo nesse conceito veremos que nenhum desses amores é absolutamente incondicional, na verdade nem eu sei conceituar esse tipo de amor, mas me atreverei a descreve-lo nessa digressão.
Um dia comum, após o trabalho, fui visitar um local que havia visto na internet, uma ONG estava anunciando a doação de 11 gatinhos, todos de uma única família. Para minha surpresa, ao chegar no local vi que os 11 gatinhos moravam em uma kitnet com sua cuidadora e a mãe dela.
Bem, conhecendo um pouco da personalidade desses bichinhos depois de várias pesquisas e da experiência de ter tido um bichinho muito sensível (minha Cindy), sentei no chão e falei que levaria o primeiro que se aproximasse, sabia que ele tinha que vir, não o contrário.
Veio o primeiro, mas a cuidadora não me deixou leva-lo, assim esperei, depois de 30min sentada pensei que nenhum se aproximaria, até que vi uma cena que marcou meu dia e minha alma, um bichinho lindo, já adulto, desceu de um armário - ele estava lá em cima escondido, quase imperceptível, veio em minha direção, parou em minha frente - olhou em meus olhos e se aproximou, lambeu minha mão e ficou simplesmente me olhando, entrei em êxtase, não pensei duas vezes, era ele, mas não consegui pega-lo sozinha, ao me aproximar ele fugia, não desisti, com a ajuda da cuidadora dele, conseguimos pegá-lo.
Coloquei-o no carro e parti, não tinha nada, nenhum apetrecho para cuidar de gatos, nada, só a vontade de levá-lo embora.
Essa história aconteceu há 09 anos, Tiger o nome dele, nesse tempo todo que estamos juntos nunca nos afastamos por mais de 03 dias – por causa de viagens a trabalho ou a passeio a lugares que não aceitam animais de estimação ou algo assim.
Ele tem uma peculiaridade, por mais que seja super carinhoso, não admite ser pego no colo, nem apertado, nem acariciado de forma mais enérgica, ele tem o jeito dele. A antiga cuidadora disse que como tinha muitos gatos ele sempre sofreu abuso, apanhava constantemente, por isso vivia em cima dos armários, só descia para comer e fazer suas necessidades.
Mesmo após 10 anos ele continua assim, por mais que lhe passe toda a segurança do mundo ele tem o momento dele, nunca consegui pegá-lo no colo, nunca consegui segurá-lo e fazê-lo dormir agarrado em meus braços.
Dizem que os bichinhos de estimação absorvem o comportamento do seu dono, na verdade acho que eu absorvi o dele, ou sei lá, nos encontramos iguais. Não sou muito boa em demonstrar carinho, afeto, amor, mas posso dizer que de todos os amores que vivi, esse sempre foi o mais puro, verdadeiro, incondicional.
Digo amor incondicional porque ele não se importa com o que eu tenho ou o que eu sou ou posso lhe oferecer, mesmo do jeito recluso dele, demonstra todos os dias que me ama, seja numa lambida, em um pedido de carinho – de longe, mas profundo, seja num consolo.
A primeira vez que senti amor e conexão plena com alguém foi quando, em um dia bem conturbado, me vi chorando no sofá e ele veio com sua patinha delicada e peluda tocar meu rosto e olhar fixamente em meus olhos como que dizendo: “não fica triste, eu estou aqui”, sim ele estava ali e ninguém mais.
Ou num dia em um acesso de fúria, enquanto eu esbravejava e sentia um ódio crescente em todo o meu ser, ele mais uma vez, veio com sua patinha acariciando meu rosto num ato nítido para me acalmar.
Durante esses 10 anos, foram diversos os exemplos de afeto e carinho demonstrados por um ser dito irracional, exemplos esses que ao serem comparados com atos humanos não chegaram aos seus pés.
Como eu disse, nos combinamos, também tenho problemas de envolvimento e minha falta de jeito de demonstrar carinho, entrega, amor, sempre me trouxeram problemas. Como minha terapeuta me disse uma vez: “Você tem medo de se entregar e não ser correspondida, de a pessoa partir, te deixar, como muitos fizeram.”
Sim ela tem razão – difícil admitir isso, mas é um fato, assim mantenho as pessoas longe.
Quanto mais longe melhor!
E quanto mais me distancio dos seres humanos, mais me aproximo do único ser que sei que me ama de verdade, sem condições, sem imposições, meu Tiger, meu filho, minha alma.
Mesmo de um jeito torto ele consegue transparecer mais amor do que acredito que teria em diversas encarnações.
Dizem que gatos não têm sentimentos, se importam com seu habitat e nada mais. Fala isso quem não tem um bichinho desses. Ele é minha sombra, minha vida!
Não consigo pegá-lo, aperta-lo ou demonstrar - de forma forçada - qualquer tipo de carinho, mas onde estou ele está, se vou dormir ele dorme em cima de mim, se vou trabalhar ele senta ao meu lado ou na mesa de trabalho, sempre com um olhar profundo e carinhoso e sua patinha pedinte de carinho, quando cansa me ignora, mas não sai de perto, não me deixa, não me abandona.
As vezes foge de mim quando tento forçar um carinho mais intenso, mas sempre está por perto, como se dissesse: “Estou aqui sempre, mesmo não querendo contato físico!”
Com seu jeito me ensinou a respeitar seus limites e assim respeitar os meus e dos outros.
Sempre que o assunto é perdê-lo me vejo perdida, sem saber como agiria, com certeza precisaria de ajuda, meu mundo teria ruído, não sei se conseguiria continuar sem um dos únicos seres terrestres que sei que nunca me deixaria, nunca me decepcionaria.
Tê-lo me fez aprender a amar o outro como ele é, sem querer mudá-lo, moldá-lo, um amor sem condições, limites, definições, um amor tão puro e verdadeiro que não precisa de cobranças, é confiança mútua, com um simples olhar, ou miado, sabe-se presente, mesmo ausente.
Um amor que mesmo após seu fim terreno, pela morte de um ou outro, continuará, se perpetuará, pois não nasceu para acabar.
Um amor que mesmo em silêncio absoluto consegue reverberar-se por todos os poros e todos os sentidos.
Um amor que nenhum ser humano consegue repeti-lo, imitá-lo.
E digo, para quem acha que um bichinho de estimação é só isso e nada mais, que o amo mais do que a maioria das pessoas deste mundo.
Eu o amo. Não por status, feições, posição social. Eu o amo, assim como ele me ama, por ser quem és e por tudo que me faz sentir. Eu o amo como sei que nunca amarei nada, nem ninguém.