CRÔNICA DA PERIFERIA DE LUANDA
Parecia que o sol, generoso e inclemente, havia escolhido as periferias de Luanda como palco principal para sua apresentação diária. O calor impiedoso mergulhava as ruas poeirentas em uma miragem que fazia tudo tremer, mas, mesmo sob esse ardente manto de verão, a vida florescia com uma força inquebrável.
As vielas de musseque eram como veias pulsantes que alimentavam a capital de Angola. Um palco onde a vida se desenrolava a cada esquina, revelando histórias que mereciam ser contadas. Uma tarde, enquanto me aventurava pela periferia de Cazenga, deparei-me com uma cena que marcaria minha memória para sempre.
A música ecoava de um barracão colorido, onde crianças, com os pés descalços e sorrisos radiantes, dançavam ao som do kuduro. Um garoto, com uma camiseta do Barcelona surrada, era o centro das atenções. Seus movimentos eram fluidos e ousados, como se dançasse para esquecer o mundo lá fora. Ali, naquele momento efêmero de alegria, as preocupações da vida cotidiana desapareciam.
Mas a vida nas periferias de Luanda não se resumia apenas a danças e cores vibrantes. A cada esquina, havia histórias de luta e resistência. Conheci Dona Marta, uma senhora que, com a dignidade de uma rainha, vendia seus quitutes na rua. Suas mãos calejadas e o avental manchado contavam a história de décadas de trabalho árduo. Ela me contou sobre os desafios de sustentar sua família, mas também sobre a solidariedade que encontrava na comunidade.
"Aqui, somos como uma grande família", disse ela. "Quando um de nós está em apuros, os outros sempre estendem a mão."
Em uma dessas tardes abrasadoras, encontrei um grupo de jovens reunidos em torno de uma parede de tijolos, pintando um mural. As cores saltavam da parede de concreto, formando imagens vibrantes que celebravam a cultura angolana. Enquanto observava, percebi que aqueles jovens não estavam apenas pintando um mural; estavam pintando um futuro melhor.
Conversei com um deles, Daniel, cujos olhos brilhavam de determinação. Ele me disse que aquele projeto não era apenas sobre arte, mas sobre dar esperança aos jovens da comunidade. "Queremos mostrar que, apesar das dificuldades, podemos criar beleza e oportunidades aqui", afirmou.
E assim, enquanto o sol se punha sobre as periferias de Luanda, deixei para trás um mundo de cores, ritmos e histórias de resiliência. Aquelas crônicas humanas, muitas vezes esquecidas pela cidade, mereciam ser contadas. Pois, nas vielas empoeiradas, nas melodias do kuduro, no trabalho árduo de Dona Marta e na esperança de Daniel, encontrei a essência vibrante de Luanda, uma cidade que continuava a pulsar com vida, apesar de todas as adversidades.