Cativar

Como já falado e repisado em diversas digressões, o ser humano está em constante busca de aceitação social e, nessa busca - no caminho de sua existência, encontrará pessoas que farão parte de sua história; que simplesmente não farão diferença em suas vidas; e/ou serão objeto de lembranças do passado.

As pessoas que farão parte de nossas vidas mesmo estando presentes ou não – podem estar em outro plano espiritual, ou em outro local, ou ao nosso lado – cada uma é única em si, únicas mesmo diante de centenas e milhares de outras, únicas pelo que cativaram em nós.

Em um livro que acredito ser leitura obrigatória a quem quer que seja “O Pequeno Príncipe”, há um trecho muito interessante que explica porque as pessoas que passam por nossas vidas, mesmo ficando ou não, são únicas e sempre serão:

“Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo. Minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti, e eu amarei o barulho do vento no trigo.”

A raposa explica ao garoto o que o cativar de um sentimento causa nos seres vivos a identificação e individualização do ser que foi cativado, mesmo diante de milhares de outros que poderiam oferecer o mesmo a ele.

Por vezes, nos esquecemos disso, nos deixamos levar por momentos de tristeza ou de prazer que nos fazem questionar o que sentimos pelas pessoas que nos cativaram, tentamos – por medo, desconfiança, insegurança – substituir algumas pessoas em nossas vidas, quando no fim percebemos que isso não é possível.

Na tentativa de substituir um ser amado por outro, cativamos outros seres e deixamos um rastro de alegria ou destruição dependendo da forma como nos comportamos. Algumas pessoas nos marcarão de formas diferentes, outras continuarão a fazer parte de nossas vidas, por outras não seremos cativados, mas nunca conseguiremos substituir ninguém.

Muitas vezes passaremos por fases e momentos em nossas vidas que nos magoarão. Muitas pessoas que amamos irão nos machucar, nos ferir, assim como nós a elas. A convivência, o relacionamento interpessoal não é e nunca será algo ameno. O ato de se deixar cativar traz como consequência o risco de sofrer e chorar.

Mas mesmo diante de milhares de pessoas, mesmo diante do constante risco de sermos machucados e magoados, algo deve sempre ser mantido em nossas mentes e nossos corações, a importância da pessoa em nossas vidas, tudo o que ela representa ou representou a nós, a lembrança constante da razão pela qual fomos cativados.

Nossa vida é tão atribulada que não prestamos atenção aos acontecimentos até que ocorram, não nos damos conta de que o cativar precisa ser diário, assim como a perseverança e o banho, senão vamos nos perdendo ou fedendo, quando nos damos conta percebemos que permitimos que pessoas importantes em nossas vidas se tornem meras lembranças. Somos surpreendidos por situações que há muito estavam dando sinais, mas não vimos.

O cuidado, atenção, demonstração de certeza dos sentimentos dedicados, o amor, nada disso precisa de presença física para acontecer, mas sempre esperamos aquele dia em que vamos nos encontrar para demonstrar o que sentimos. Não percebemos que é o tempo dedicado as pessoas que amamos que farão com que os laços fiquem ainda mais estreitos, como o livro “O Pequeno Príncipe” continua a nos ensinar: “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante...”

Não percebemos que mesmo distantes, o cuidado despendido e a importância demonstrada farão com que sempre estejamos presentes no coração e na mente de quem cativamos e quando partirmos ou quando partirem, nunca iremos nos perder um do outro, porque o que importa não está disponível aos olhos, está em nossos corações.

Por tudo isso, ao cativar ou nos deixar cativar é preciso ter em mente que passaremos por situações diversas, questionaremos nossos sentimentos e os sentimentos do outro. Essas situações nos farão querer nos afastar, partir para outra, mas nada, nem ninguém, será capaz de substituir o que foi cativado, no máximo poderá se tornar outro ser que fará parte de nossas vidas ou de nossas lembranças.

Diante dessas situações devemos sempre lembrar que o que importa não conseguiremos ver com olhos, precisaremos sentir com o coração, precisaremos nos dedicar ainda mais àquele ou àqueles que nos cativaram para que não nos percamos no caminho e assim conseguiremos perceber o quão únicos eles são em nossas vidas, assim teremos a certeza de que no fim estaremos cercados de pessoas que nos importam mesmo que não estejam presentes fisicamente.