SOLIDÃO É FELICIDADE

Ainda trabalho.

Aos 65 anos ainda cumpro horário, como qualquer trabalhador desse Brasil. Minha jornada inicia às 08 horas e se encerra às 18 horas. Não que sinta prazer em tudo isso. Exceto o trabalho, a casa me dá certo medo. Medo de estar só, de sentir saudade.

Fiquei velho e nem havia notado.

Ah! Que saudade do tempo que não tinha tempo. Do tempo que menino me incomodava. Que abria um livro e o folheava apenas, pois não havia como direcionar minha atenção à leitura. A todo momento interrompido por eles.

Eram apenas 3 filhos pequenos. Cada qual queria um minuto de atenção. Eu achava aquilo um pouco chato, pois queria mesmo era descansar. Mas eles esperavam, avidamente, a minha chegada, só para usar o pretexto de perguntar ou mostrar alguma coisa. Mas, agora sinto que tudo era tão bom, tão necessário.

Meninos carentes, como todo menino. Carente do pai que passa o dia todo fora.

Esposa que por mais boazinha que fosse sempre tinha algo para reclamar. Disputa com as crianças um momento de atenção e às vezes nem consegue. Mas como mãe, compreende e cede seu espaço, enfim são crianças. Um dia crescerão e não quererão estar tanto ao lado do pai. Deixa que aproveitem essa fase.

Saudades!

Hoje é diferente, não em criança em casa, não tem mulher e nem tem livro para ler. Meus filhos são adultos. Cada um com a sua própria vida. Vida de trabalho de luta e quando lhes sobra algum tempo, vão se divertir e namorar. Mulher, também, não tenho mais. Há um bom tempo que estou só, mesmo quando acompanhado, continuo na solidão. Pelo jeito acho que nem me acostumaria mais com a presença de uma companheira. Peguei mania de velho. Não quero dividir espaço, qualquer coisa me incomoda, perco o sono e passo a noite toda acordado. Se por acaso for alguém que ronca, aí só com remédio para insônia.

Agora, quando vou para a minha casa, que não é mais uma casa, mas um pequeno apartamento, em local normal, até humilde. Agora posso ler, escrever, ver TV, escutar uma boa música se desejar. Até saborear um bom vinho. Mas tudo perdeu a graça. Nada disso me interessa mais. Acho que o tempo de querer essas coisas passou.

Está iniciando a noite, o trabalho acabou. Às vezes imagino:

É hora de voltar para casa.

Lar, doce lar?

Mas a casa está escura a TV desligada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à minha espera. Minha constatação é tristemente costumeira. É diária.

Estou só.

Dessa solidão brota uma tristeza de arrepiar.

Então volto ao rotineiro monólogo.

Digo para mim:

- O que mais você desejava não era estar só? Sem ninguém para aborrece-lo? Nessas alturas, ter alguém com quem dividir seu tempo já não é mais preciso. Vai lhe trazer mais problemas que ajuda.

Vou lhe dizer uma coisa:

- A sua tristeza não está, exatamente, na sua solidão. Ela não é real. Está no seu imaginário, naquelas fantasias que ela te obriga a construir.

- Quando imagina, ainda a caminho de casa, que encontrará as luzes acesas, TV ligada, crianças falando e mulher reclamando, você está imaginando uma falsa realidade, uma situação que só existe porque você a construiu. Quando volta à realidade e percebe que daquilo nada é real. Você ficará triste, porque amaldiçoará a sua solidão.

Continuo conversando comigo mesmo:

- A sua infelicidade está contida nas comparações que tem feito. Ela está sempre presente na sua vida. Quando era um jovem e tinha que trabalhar, era infeliz porque imaginava sua infância. Quando se casou tinha casa para cuidar e mulher para acalentar, era infeliz porque havia perdido a liberdade que a juventude e a vida de solteiro lhe proporcionavam. Não podia chegar em casa a qualquer hora, não podia sair para se encontrar com a turma.

Quando vieram os filhos, ficou imaginando se sem eles a vida não lhe seria melhor. Podia sair de férias a qualquer época do ano sem ter que esperar as férias escolares. Quando mais velho, lamentava ter envelhecido e perdido aquela disposição e a virilidade do homem jovem. Tem que se limitar às coisas que antes não era preciso.

Então, ao construir cenários e lembrar do passado vai tornar mais aguda a sua sensação de solidão.

Assim continuo argumentando comigo mesmo.

Agora examine as vantagens:

- Você tem a companhia de seus livros, dos seus discos, da cozinha (que agora é só sua) você tem um computador que naquela época nem existia. Agora pode escrever e corrigir e isso só pode lhe dar mais prazer do que ficar escrevendo com caneta ou com a máquina de datilografia, em folhas que ia numerando para não se perder. Lembra? E quando precisava reescrever um parágrafo? Tinha que recomeçar tudo.

Assim me pego falando sozinho e até me assusto quando dou conta e olho em volta para conferir se não há ninguém ouvindo. Podem achar que sou um louco.

Volto a imaginar:

Pensando bem, solidão não é tão ruim assim. É até boa. Posso até deixar meus óculos sobre a mesa, meu livro sobre o sofá, posso deixar a xícara de café para lavar no outro dia, a toalha molhada sobre a cama e a pasta de dentes sobre a pia do banheiro. Ninguém me chamará a atenção por isso. Posso curtir a preguiça até mais tarde, nos dias que não precisar ir ao trabalho. Posso dormir quando me der sono, sem obrigação de horário. Na verdade, eu posso tudo.

Posso até viajar quando e na hora que desejar e ir até onde quiser, sem que qualquer pessoa me contrarie.

De posse dessa constatação, vou modificando meu comportamento, meu humor e aos poucos me tornando o ser mais feliz do mundo.

Estou livre!

Posso fazer tudo que desejar, quando e como achar melhor. Isso é felicidade.

Chego em casa feliz, até cantarolando, vou logo ligando a TV para assistir o jornal. Depois vou fazer meu lanche, tomar meus remédios, eles se tornaram rotina em minha vida. Todos os dias tenho que toma-los. Mas se eu não fosse velho, pelo tempo que tenho de vida, só uma alternativa me restaria:

Morrer jovem.

©NeodoAC