Conversando comigo mesmo

Tem gente que morre de medo de abrir a boca. Não estou falando de procedimentos odontológicos, mas de relacionamentos e convivências. Eu faço questão de conversar, de perguntar e de ouvir as pessoas. O mundo já tem muita gente sisuda, mal-humorada, ignorante. Tem gente que te olha com desconfiança, com suspeita, e nem te conhece, que pena! O que eu tenho a perder ao iniciar uma conversa? Nada, só tenho a ganhar: uma boa história, uma amizade, uma amabilidade. Vamos nessa?

Quando vou à padaria, quero saber se o pãozinho é novo, qual a validade do leite, qual é a promoção do dia, se o pão de queijo foi feito agorinha. Falo do tempo, da chuva que se aproxima ou do ar seco que incomoda os mais velhos e as crianças. Reclamo do frio ou do calor, do preço das coisas, presto atenção em detalhes imperceptíveis e faço questão de elogiar, se for o caso. Fico contente se me oferecem um pedaço de bolo para provar, desde que não seja muito doce, já vou logo avisando que tenho restrições alimentares. Agradeço pelas gentilezas, mas não maldigo os emburrados e os descontentes com a vida. Cada um com suas razões.

Acelero o ritmo da caminhada quando passo em frente à farmácia, vai que um conhecido me convoque lá de dentro. Se entrar, me sentirei na obrigação — ou será tentação? — de comprar alguma coisa. Não quero, estou bem, caminhando, observando os pássaros, desviando das fezes que os responsáveis pelos simpáticos cachorrinhos se esqueceram de coletar. Cruzo com uma senhora acompanhada por duas crianças aborrecidas e faço uma brincadeira qualquer, só para descontrair. Elas devem me achar um cara esquisito, mas devolvem um sorriso cúmplice.

Quando eu era professor, tive alunos que gostavam de ficar na sala depois do final da aula só para conversar comigo, contar alguma coisa, perguntar da matéria e da vida. Mas tive alunos que entravam calados e saíam mudos. Tem gente que morre de medo de sair às ruas, nem que seja para comprar uma revista ou jornal (ainda existem bancas de jornal?). Tem gente que não anda de ônibus nem a pau. Eu conheci pessoas que se recusavam a entrar em elevadores. Será claustrofobia ou fobia social?

Nada de achar que o pobre coitado que está dormindo debaixo da marquise está ali porque não gosta de conversar com os outros. Será que o sol que esquenta minha cacunda nasce para todos? Quem sou eu para reclamar do sol que ilumina as criaturas deste planeta? Mas podemos exigir mais árvores, mais praças e parques, um mundo mais acolhedor e inclusivo. Nas cidades, tem carros demais, sujeira, violência, poluição, livros de menos, o barulho incomoda, mas, se quisermos mudar essas situações, temos de escolher melhor nossos representantes na política, falar, conversar, reivindicar. Dá pra ficar calado?