REFLEXÃO(*)
Por um momento, imagine uma parada do caminhar da vida. Reflita concentradamente e sinta levado, talvez, a uma outra galáxia. Nela verá um outro estilo de vida. Não verá nenhuma maldade nem nenhum outro mau presságio entre os seres nativos. Verá um outro novo mundo. Um lugar sem iniqüidade, sem conflitos, sem alienação, sem temor e sem infelicidade. Verá com brilho, os ideais de justiça onde a prudência e a lucidez são compatíveis com a dignidade. Verá claramente apenas a paz, a verdade e as realizações das vontades.
Neste lugar, como em sonho, até as estações do ano – primavera, verão, outono e inverno – são bem delineadas e conseqüentemente mais bonitas. Tudo é maravilhoso. Todas manhãs, o sol desponta entre as montanhas e um calor lascivo espalha sobre as campinas, florestas e cidades. Nas ruas, as pessoas cumprimentam-se e, alegres cantarolam. Não existem mágoas nem intrigas.
Por um outro momento, desperto com uma sensação mórbida. Na ansiedade, nasce do inconsciente um embevecimento sem nexo, com emoções cruéis. Lembranças de dissabores retornam à mente com ferocidade ao mesmo tempo em que me faz sentir falta de um amor cúmplice. E num lampejo de pensamento renasce um desejo de ser levado ao Olimpo para conhecer os deuses. Queria pedir e receber deles, o arbítrio para revolucionar o nosso mundo, porque quero transformá-lo em um planeta de um amor louco e bandido, mas prazeroso. Quero um amor sem céu, mas sem temor do inferno. Um amor bem vivido. Um mundo novo sem medo da felicidade porque o amor aceita na sua plenitude, a transformação dos pensamentos. Busca no fundo d’alma a cumplicidade contra qualquer mal.
Mas este pensamento e desejo são logo derrotados pelo niilismo.
Volto à realidade sem a ambicionada avidez de autrora. Um amargor n’alma arranca-me do peito brutalmente, a vontade de continuar querendo o triunfo. A deusa Afrodite, adivinhando o insucesso da transformação desejada, não quer abençoar-me nem ajudar em meus desejos. Sinto encarcerado numa redoma de prata de onde ambiciono, mas sem poder sentir, o mesmo amor como o que Helena de Tróia deu a Menelau. Continuo vendo-me encarcerado e com ciúme da outra Helena, a do realista Júlio Ribeiro, entregar-se de corpo e alma ao seu par-personagem em “A Carne”. Como num filme, vejo à minha frente a cena do touro na fazenda e revejo Lenita excitada à procura da satisfação e do prazer. As lembranças, neste instante, representam a cobiça de querer um amor e uma vida plena. Um amor carnal para concretizar minhas fantasias porque somente o afeto já não consegue suprir a minha inventiva. Não alimenta a vida da alma.
Uma interrogação insensata irrompe em meu coração, querendo a destruição do bem querer e da qualificação do amor desejado, talvez, para confundir ou para fazer com que os anseios encerrem em ponto final, sem realizar as aspirações, as ambições e os desejos.
Quase em silêncio, balbucio amargamente. Angustiado, ainda tento aguçar a coragem, mas derrotado, tenho a sensação de que nada valeu a pena.
...E na solidão da noite, no céu de estrelas, viajo pelo firmamento fazendo brotar lágrimas nos olhos que brilham com inveja da beleza e leveza do infinito.
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(*) O autor é professor de Literatura, Língua Portuguesa e Redação.
E-mail: edsong@uai.com.br
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OBS: Este texto foi laureado como prêmio da Academia de Letras “João Guimarães Rosa” da Polícia Militar de Minas Gerais, em Concurso Literário co-promovido pelo Clube dos Oficiais da Polícia Militar (COPM-ALJGR/PMMG) de prosa/2005.