A girafa
O povo fala demais, inventa histórias… A maioria não sabe como nem quando ela chegou. Uns dizem que veio para ficar, mas há quem diga que já foi embora. As dúvidas permanecem. Alguém trouxe? Veio sozinha? Caiu aqui feito uma pedra de granizo? Um dia, se tudo der certo, teremos respostas. Era uma girafa, mas tem gente que garante tratar-se de outro bicho, talvez um hipopótamo ou um rinoceronte. Os que se consideram entendidos no assunto afirmam que era um macho adulto, cerca de cinco metros de altura e quinhentos quilos. Outros dizem que era uma fêmea. Foi avistada em diversas cidades do país, às vezes simultaneamente.
A imprensa se dividiu. Uma parte achou legal a sua presença entre nós, e isso gerou inúmeros debates, programas de entrevista e documentários. Outra parte caiu matando, houve polêmicas e ânimos acirrados. Como sempre, opiniões divergentes resultaram em conflitos, agressões e sensacionalismo. Teve apresentador que se incomodou com o jeito dela beber água, acreditem!
O assunto, isto é, a girafa, foi parar nas câmaras municipais, estaduais e até no Congresso Nacional. Nenhuma das casas legislativas ousou colher um depoimento ao vivo. Parece que tinham medo dela. Tentaram oitivas remotas, mas as tentativas foram infrutíferas. Alguns vereadores chegaram a fazer proposições sobre em quais logradouros ela podia caminhar, de quais árvores podia colher folhas para se alimentar e se as prefeituras poderiam cobrar ingresso para a população interessada em ver de perto o estranho animal de pescoço comprido. Para cobrar ingressos, teriam de prendê-la num curral ou zoológico e aí as divergências atingiram um ponto nevrálgico. E se ela resolvesse sair por aí pisoteando carros, defecando nas praças e ameaçando as crianças?
A discussão sobre seu sexo foi uma das coisas mais bizarras que já aconteceu no país. Afinal, era macho ou fêmea? Biólogos, zootecnistas e psicólogos foram chamados para opinar. Os jornais lançaram enquetes, pesquisas e convidaram especialistas.
Teve quem advertiu para os perigos de uma epidemia oriunda do contato próximo com a girafa. E se ela fosse portadora de um vírus mortal? E se fosse transmissora de uma doença contagiosa? Um vereador chegou a propor um certificado sanitário para aqueles que porventura se acercassem do bicho até dois metros de distância. Não houve consenso sobre a distância ideal para ocorrer a contaminação. Por outro lado, diretores de escolas municipais e de faculdades pensaram em encaminhar à girafa convites para palestras e colóquios. Não o fizeram por completo desconhecimento da língua ou dialeto do animal. Nessas horas, muita gente boa se arrependeu por não falar inglês, pois claramente a girafa vinha das europas.
O que se sabe, hoje, é que ela continua por aí, nas cidades, nas escolas, nos lares e nas ruas. Tem uns que defendem sua expulsão do país, outros afirmam que ela nunca esteve aqui. Vai saber!