SAUDADE DA INFÂNCIA

Fui criança em tempos bastante antigos e, como mãe e professora, vi infâncias em vários “antigamentes”. Por isso chamo postagens saudosistas da infância de seletivas, desonestas e mentirosas.

Uma delas fala na delícia da infância que tomava água de torneira, esquecendo da infância que não tinha saneamento básico, que era maioria “antigamente” e é realidade para muitas infâncias ainda hoje.

Fico pasma quando vejo postagem de gente que louva as “chineladas” como “educativas”, não entendo como conseguem brincar com algo tão sério. Espancamento nunca foi educação!

Dizem que as crianças colocavam apelidos umas nas outras e ninguém se importava. Quem diz isso está mentindo ou foi uma criança que colocava apelido nas outras e não ligava para o que elas sentiam. Nunca foi divertido, para nenhuma criança, ser chamada de burra, de cabeção, de banana pintada, de “viadinho”, de preta fedorenta. Vi muitas crianças depreciando a si mesmas ou reclamando do próprio nome por causa dos apelidos e da “zoação”.

Crianças e adolescentes paravam de estudar porque acabavam acreditando nas pessoas que as chamavam de burras, ou porque cansaram de ser saco de pancada de todo mundo sem que as pessoas adultas enxergassem.

Sei que ainda acontece isso, mas acontece menos porque graças às campanhas de inclusão tem menos gente conivente e porque, felizmente, homofobia é crime.

Alguém já reparou que os elogios à infância de antigamente em geral selecionam brincadeiras masculinas? Na “infância de antigamente”, os meninos brincavam na rua e as meninas no quintal de casa, e se uma menina se atrevesse a brincar com os meninos ficava logo "mal falada". Como criança levei surra de cinta por conversar com um menino, e como professora mais de uma vez tive que chamar atenção da sala porque estavam “zoando” com uma menina por jogar futebol.

Ninguém em sã consciência e com um senso razoável deveria dizer, sobre nenhum aspecto, que "antigamente era melhor". Para que essa afirmação faça qualquer sentido é preciso especificar muito bem o "melhor" e, principalmente, onde e para quem.

Divina de Jesus Scarpim
Enviado por Divina de Jesus Scarpim em 01/10/2023
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