Não recriminemos João

Eis João, vestindo uma camisa rosa, andando por aí, trocando passos largos, aparentemente sem sentido, como se longe de casa estivesse. Um homem comum, não fosse alguns detalhes particulares, não fosse sua camisa rosa. Por onde andavam as rosas, desde a redemocratização? João sabe?

João não é rima, mas aparenta. Também não é, supostamente, daqui. Nem veio para ficar, como se julga a partir da largura dos passos. Enfim, não julguemos João. Também não o recriminemos. Aparentemente não é um criminoso, tampouco conservador. É simples e provavelmente um homem comum, com seus passos largos, vestindo uma camisa rosa e outros detalhes.

Retifica-se: seria João um homem comum, não fosse antes de tudo, diga-se de passagem, outrossim, por este lado também, oficialmente, ou seja, ocasionalmente, isto é, quer dizer, o que eu ia mesmo dizer? Ah sim, não recriminemos João, principalmente por ser um pouco prolixo. Esqueçam objetividade lexical em João. Para dizer pessoalmente um "Eu te amo" em português, João utiliza nada menos e um pouco mais de 2 mil e uma palavras e setenta e sete idiomas.

Não recriminemos João por ser verboso, largo, ter 108 kg. Como assim, 108kg e passos largos?

Não julguemos João. João é legal à beça. João promete dieta e acaba comendo batata frita à meia-noite; João confia em Deus, embora, toda vez, antes de atravessar a rua, João olha para os dois lados; embora, antes de dormir, vai conferir pessoalmente portas, janelas, geladeira: ver se estão trancadas; João: dá aquela conferida no corpo na frente do espelho; embeleza histórias, para parecerem mais legais; fica olhando fotos da paquera; pratica, além de ioga, e por trás do espelho, conversas que provavelmente nunca terá; João grava a própria voz para ouvir como ela soa para o resto do mundo, e a julga a voz mais feia do mundo; João liga o telefone para ver as horas, mas esquece-se de ver as horas, esquece as horas; João, em matéria de culinária, coloca o feijão por baixo do arroz.

João, não julgue João. Pedro, idem. Linda Safira, essa joia perdida em algum asfalto e longe de seu grande amor, siga o bom exemplo: não criminalize João. Só porque você perguntou a João, o João vestido em camisa rosa, andando por aí, trocando passos largos, aparentemente sem sentido, como se longe de casa estivesse, sendo que em casa sempre esteve, você lhe perguntou, parece que despretensiosamente, se João tinha visto o filme da Barbie, e João iniciou a resposta com aquele: "Na minha concepção,....", seguido de nada menos e um pouco mais de 2 mil e uma palavras e mil novecentos e noventa e nove advérbios.

Safira, moça bonita, desculpe João por ser assim tão extenso. Ele descobriu recentemente que é feio. Quem lhe disse foi a Estatística, logo, não há como recorrer. Safira, moça bonita, não criminalize João. João é abundante, João é largo, João é legal. Caminha em Marte, com a cabeça na Lua; fala cinquenta e um idiomas; mora em uma casa voadora; ver cores não visíveis para a maioria dos extraterrestres; dança valsa em gravidade zero; cria um peixe fora d'água; desce escada de costas; conhece alguém que fala "estetoscópio" sem gaguejar. Safira, moça bonita e objetiva, como se adjetivo fosse, João é legal à beça.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 30/09/2023
Reeditado em 01/10/2023
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