Morte em si mesmo
Sei que é inconcebível falar sobre morte em vida, pois essa questão, essa situação, é a causa dos grandes transtornos da sociedade - a certeza de que iremos morrer, sem a aceitação da morte -.
Mas a morte pode ser associada a inúmeras questões humanas, não só ao final da vida.
Como já dito em outras digressões, morremos diversas vezes ainda em vida, morremos e renascemos como a Fênix que renasce das próprias cinzas e a cada novo ciclo algo se perde, algo se ganha, passamos por experiências inexplicáveis.
Morrer em si mesmo é a única alternativa para conseguir seguir em frente.
Há dores que apenas são curadas quando se permite morrer, quando o ninho se queima e a razão daquela dor já não fere mais.
É simples falar e quase impossível de se realizar, deixar morrer o objeto daquela dor que ao mesmo tempo é o objeto de seu maior amor, é algo incompreensível, mas preciso.
Não sei se já sentiram uma dor física no peito, um aperto como se algo quisesse simplesmente sair dali, rompendo tudo por dentro, tão forte que seus olhos não suportam e choram, uma angústia absurda que seca a boca, palpita o coração e faz doer a alma.
Uma dor que não passa por nada nesse mundo, que parece te consumir por dentro como fogo em carne viva.
Oscar Wilde traduz muito bem essa dor: “O homem pode suportar as desgraças, elas são acidentais e vêm de fora: o que realmente dói, na vida, é sofrer pelas próprias culpas.”
A culpa por ter se permitido viver e sentir corrói todos os pensamentos lúcidos que possa ter, a culpa por ter entregado sua alma, seu coração e agora ambos ardem em brasa incandescente.
Só você é responsável pela dor que sente, pois não soube se proteger do mal. Seu dragão falhou e a rosa sangra como nunca antes, essa maldita falha custará a morte e a queda de várias pétalas, mesmo que o dragão se feche ao seu redor, nada é capaz de protegê-la nesse momento.
Deixar morrer é a única solução, aprender com essa dor, senti-la e racionaliza-la até que o ninho exploda para que consiga renascer, voltar a florescer.
Com a morte e o perdão de si mesmo, há o aprendizado e esse é tudo que importa.
O perdão pela falha do dragão, o perdão pela morte de parte da rosa, pela explosão do ninho, esse aprendizado será necessário para que não sejam cometidos os mesmos erros do passado.
Stephem King diz que aqueles que não aprendem com o passado estão condenados a repeti-lo. Se não deixarmos morrer o sentimento, nos perdoar pela entrega emocional, essa dor sempre voltará.
Por vezes, acreditamos que as coisas vão mudar, tudo vai se resolver como em um passe de mágica, deixamos por conta do tempo, como se ele fosse a grande salvação dos nossos problemas.
Não nos permitimos ter a consciência de que o tempo não é capaz de mudar nada se nossos atos e nossa forma de enxergar as coisas não mudarem, se não deixarmos morrer o que deve morrer, pois, mesmo que passe uma eternidade, se o objeto de nossa dor e amor ainda existir em nós, irá florescer e voltará a ferir com a mesma intensidade que um dia nos fez felizes.
Se me perguntarem por que é tão necessária essa morte, eu respondo: porque não aguento mais chorar, porque não aguento mais sofrer e só deixando morrer conseguirei me perdoar por tudo que me permiti causar.
Só o morrer deste sentimento me livrará da angústia e da dor que sinto, só assim aprenderei seguir meu caminho e não repetirei o erro de voltar a acreditar e sofrer. Se isso é possível eu não sei, nem poderia dizê-lo.
Sei que dói demais e nada é capaz de aplacar essa dor senão o objeto deste amor, então que doa até romper o peito e não sobrar nada mais além do aprendizado de que o dragão nunca mais deverá falhar e a rosa jamais deverá ser tocada.
O morrer em si mesmo é o único meio de sobreviver após ter sido ferido de morte pelo único sentimento capaz de matar a alma: o Amor.