Os iguais não são diferentes.
Em uma certa sociedade, há, além de outros, dois grupos de seres humanos e um punhado de gente que faz do ato de pensar as coisas e o espírito delas sua profissão. Os dois grupos de seres compõem uma parcela da sociedade, e ambos, juntos e misturados, e somados e multiplicados, não constituem o todo que a sociedade é. Vamos nomeá-los: Grupo A e Grupo B.
Um dia, alguém do Grupo A declarou, pondo para fora de si o ódio, que lhe corroía a alma, de viva voz, com toda a força de seus pulmões, que são dois: "Morte ao Grupo B!", assim, sem se vexar, sem se esconder atrás de um muro, sem cobrir a bela estampa. Foi de cara limpa. E os do punhado de gente que faz profissão sua o ato de pensar esbravejaram, corretos: "Preconceituoso! Preconceituoso! Você não pode dizer o que disse, você não pode pedir pelo extermínio de todo um grupo social. Preconceituoso!" E seguiu-se a celeuma. E discutiu-se o caso nos bancos escolares, nos tribunais, nas câmaras legislativas, até que um dia determinou-se a reprovação moral e legal de exclamações que pedem o fim de todo um grupo social. E perseguiu-se moral e legalmente, por todos os meios conhecidos, quem tal ato praticasse. E desde então as pessoas que, do Grupo A, mesmo que desejassem exclamar a maldita sentença, e ao proferi-la externarem o que lhes ia no espírito, o ódio por pessoas de outro grupo social, calaram-se, intimidadas. E o tempo passou. Um dia, um qualquer do Grupo B, furibundo, trovejou, orgulhoso de si, desafiador, de peito empinado e nariz estufado: "Morte ao Grupo A!" E abismaram-se, indignadas com o que dele ouviram sair da boca as outras pessoas da sociedade. E reprovaram-lo com severidade. E ele recorreu aos que fazem do ato de pensar uma profissão, e estes declararam, pomposos, com empáfia: "O do Grupo B está a exigir respeito das pessoas do Grupo A, que oprimem e exploram as do Grupo B desde sempre, desde que o mundo é mundo, antes, mesmo, de o homem inventar o alfabeto, antes, até, de o homem inventar a roda, antes, inclusive, de o homem aprender a controlar o fogo. Nada mais fez o do Grupo B do que exibir o seu sofrimento histórico, a sua condição de ser historicamente explorado e maltratado. Está ele, ser de espírito imaculado, estreme, no seu direito, pleno e sagrado, de declarar a sua vontade, que é honesta e sincera, de fazer da Terra um lugar melhor para se viver, onde prevaleça a paz mundial".