🔵 Vozes do além
Acordei ouvindo vozes. Na verdade, era uma só voz, o que me pareceu bem mais assustador. Ainda com sono, eu demorei a entender o que estava acontecendo. Já que à medida que a idade vai avançando, a possibilidade de comunicação com os mortos aumenta, me conformei que aquela voz vinha de algum espírito.
Devidamente desperto, livre da desorientação típica de quem acordou de madrugada apavorado e com o coração acelerado, me localizei e prestei muita atenção no conteúdo da voz do além.
Juro que, mesmo acreditando em comunicação com os mortos, imaginava que quando isso acontecesse, eu ouviria algo como: “Aqui é o..., eu estou bem, não se assuste”. No entanto, o discurso continha teor futebolístico. Constatei que há muito tempo eu deixei de ser fanático, portanto descartei a possibilidade de serem vozes da minha cabeça.
A palestra noturna era sobre futebol, o que parecia bem estranho. Cercado de interrogações, inclinei-me sobre os dois cotovelos a fim de localizar a origem do monólogo esportivo e resolver a gincana sobrenatural.
Embora aquela voz lembrasse um rádio mal sintonizado, eu já admitia que alguém queria me comunicar algo. A linguagem futebolística era muito superficial, então deveria haver algum sentido escondido nas entrelinhas, portanto aquela glossolalia oculta precisava ser decifrada.
Concentrado no timbre da voz e buscando interpretá-la, percebi o sotaque carioca. Este novo elemento só complicava o dilema. Entretanto, foi justamente isso que me ajudou a, literalmente, descobrir a inverosímil voz.
Enrolado no cobertor, meu tablet reproduzia uma entrevista com o carioca Oswaldo de Oliveira, ex-técnico de futebol do Corinthians. A expectativa de finalmente saber de onde viemos, o que estamos fazendo aqui e para onde vamos foi por água abaixo, terminou com um conteúdo tão relevante quanto um papo de boteco.
A descoberta gerou uma sensação dúbia: frustração por não ser o escolhido para ser o portador das notícias do outro mundo; e alívio pela certeza de que eu não estou acompanhado por figuras ocultas.