A vida em capítulos
A vida é uma tela na qual vejo passar o tempo. É uma novela cujos capítulos duram em média 18 horas. Minha pausa para o descanso obrigatório dura no máximo 6 horas. É uma longa saga na qual vejo os dramas e costumes se sucedendo. Minha interferência pouco adianta: só consigo alterar algumas locações e influir nos personagens mais próximos, afinal tenho que lembrar (quando não o faço sou firmemente advertido), que para eles essa novela também me inclui como personagem de importância que não controlo. Vejo e participo da repetição de muitas cenas. Como se fosse obrigado por um diretor que não conheço a repeti-las infinitamente. No tempo das festas de fim de ano, como agora, há as cenas do supermercado. Elas quase não existiam antes. Foram chegando aos poucos influenciadas por outros centros de produção. Antes eram feiras livres, armazéns e lojas. O acúmulo de figurantes nestas cenas sempre foi a tônica da época, mas hoje elas são penosas. Quase de terror. Filas... Longas filas... A guerra de preços é menor que a de compradores acotovelando-se e disputando vagas nos estacionamentos caros e apertados dos cenários chamados shoppings.
E eu sem querer entrar na tela. Sem querer integrar um elenco de expressões competitivas e carrancudas neste capítulo-bônus com duração alongada pelos patrocinadores. Só o cansaço físico me faz declinar de longos solos. Estou mais para Wood Allen que para Van Dame. Mais para cinema sueco que para arrasa quarteirões de fim de ano de Hollywood. Mas sou envolvido mesmo assim. No mínimo, requisitado como coadjuvante que não consegue decorar textos longos. Acho que é porque, de vez em quando, paro no meio da cena para questionar as razões do autor para escrever aquela loucura. Aí perco a concentração e compro 4 em vez de 2 quilos de picanha a CR$, digo, R$ 23,00 cada. Desculpem pela falha.