Anjos e Demônios

Desde os primórdios, nos foi constituída a crença de que anjos são bons e demônios ruins, como sendo seres antagônicos e totalmente dissociados.

No entanto, uma questão não para de ecoar em meus pensamentos: Há a possibilidade de essa crença não ser verdadeira? Há possibilidade da existência de anjo e demônio no mesmo ser?

A questão levantada não se trata de definir pessoas falsas, duas caras, que em um momento se mostra bom e em outro mal, mas sim uma disputa interna do bom e do mau, que por vezes os seres externos sequer imaginam existir.

Há uma fábula que circula em redes sociais, ela poderá explicar melhor essa disputa, vejamos: A Fábula dos Dois Lobos (dos índios Cherokee)

“Certo dia, um jovem índio Cherokee chegou perto de seu avô para pedir um conselho. Momentos antes, um de seus amigos havia cometido uma injustiça contra o jovem e, tomado pela raiva, o índio resolveu buscar os sábios conselhos daquele ancião. O velho índio olhou fundo nos olhos de seu neto e disse: “Eu também, meu neto, às vezes, sinto grande ódio daqueles que cometem injustiças sem sentir qualquer arrependimento pelo que fizeram. Mas o ódio corrói quem o sente, e nunca fere o inimigo. É como tomar veneno, desejando que o inimigo morra.” O jovem continuou olhando, surpreso, e o avô continuou: “Várias vezes lutei contra esses sentimentos. É como se existissem dois lobos dentro de mim. Um deles é bom e não faz mal. Ele vive em harmonia com todos ao seu redor e não se ofende. Ele só luta quando é preciso fazê-lo, e de maneira reta. Mas o outro lobo… Este é cheio de raiva. A coisa mais insignificante é capaz de provocar nele um terrível acesso de raiva. Ele briga com todos, o tempo todo, sem nenhum motivo. Sua raiva e ódio são muito grandes, e por isso ele não mede as consequências de seus atos. É uma raiva inútil, pois sua raiva não irá mudar nada. Às vezes, é difícil conviver com estes dois lobos dentro de mim, pois ambos tentam dominar meu espírito.” O garoto olhou intensamente nos olhos de seu avô e perguntou: “E qual deles vence?” Ao que o avô sorriu e respondeu baixinho: “Aquele que eu alimento.”

A dualidade emocional a que se refere a fábula é um exemplo da existência de anjo e demônio no mesmo ser.

A complexidade da mente humana transforma em algo quase surreal, inexplicável. A fábula nos mostra que em cada um de nós há um ser bom e mau, assim, dependendo da forma que você o alimenta, poderá se tornar uma pessoa melhor ou pior.

Muitos acreditam que ao longo da vida, quando escolhemos nos tornar pessoas melhores, criamos condições para o anjo sair vencedor nesse conflito interior.

Mas não é sempre assim que acontece, por vezes anjo e demônio são o que forma o ser humano - um interligado ao outro, um complementando o outro - não há como dissociá-los. A busca na verdade não é escolher quem alimentar, mas sim como encontrar o equilíbrio entre ambos.

Vivemos em sociedade, assim sendo, o meio social não está preparado para encarar o demônio que possuímos, por vezes é tão obscuro que fere não só as regras e conceitos sociais, como aos outros e a nós mesmos.

Assim como, para nossa própria defesa pessoal não há condições sociais do anjo ser predominante em tudo. A sociedade não é tão boa assim.

O equilíbrio entre anjo e demônio se faz necessário em diversas situações de nossas vidas, a necessidade de aprovação e a competição interna nos deixam mais vulneráveis e mais confusos.

Deixar fluir a força interior necessária para solução daquela questão é crucial para sair dela da melhor forma possível.

Ter consciência do quão cruel é o demônio que habita em você, assim como quão doce e ingênuo é o anjo que divide esse habitat é o primeiro passo para controlá-los.

Muitos negam a existência desses dois seres e se surpreendem com inúmeras situações que ocorrem na sociedade, sem se dar conta de que estando no lugar daquela pessoa, talvez, agiria da mesma forma, ou pior.

Corrupção, roubo, assassinato, machismo, racismo, fascismo, homofobia, pedofilia, zoofilia, dependência química, tráfico, assim como doação, amor incondicional, perdão, fazer o bem por si só, todas situações e sentimentos que causam perplexidade.

Assim como o ser humano se surpreende com o que é cruel e foge aos conceitos sociais, se surpreende pelo bom, o belo.

É como se não entendessem como um ser pode ser tão ruim a ponto de ferir, enganar, maltratar e subjugar os outros e tão burro a ponto de se doar sem medidas, de amar sem pedir nada em troca, de perdoar a quem lhe feriu. Como pode?!

Anjo e demônio vivem no interior de cada um, uns possuem consciência de sua existência e conseguem se controlar, ou ao menos tentam, outros ignorantes desses seres são surpreendidos com rompantes inexplicáveis de amor e ódio.

Nós somos luz, mas também temos trevas. É isso que transforma o ser humano no ser mais incrível que Deus já criou! Reconhecer isso é essencial para o nosso crescimento interior.

Em outras palavras, reconhecer o mal e o bem que podemos fazer ou que já fizemos aos outros e consequentemente a nós mesmos, assim reconhecendo a existência do demônio e do anjo que nos habita, é um passo fundamental no caminho do aprimoramento.

A empatia - capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela - é a melhor forma de forçar o equilíbrio tão buscado.

Tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo, fará com que o demônio seja controlado e o anjo freado.

Essa empatia pode ser natural ou trabalhada, mas quando um indivíduo consegue sentir a dor ou o sofrimento do outro ao se colocar no seu lugar, desperta a vontade de ajudar e de agir seguindo princípios morais constituídos não pelo externo, mas por si.

A capacidade de colocar-se no lugar do outro, se desenvolve através da empatia, ajuda a compreender melhor o comportamento em determinadas circunstâncias e a forma como o outro toma suas decisões.

Formar um código de honra tendo a empatia como pressuposto primordial, fará com que entenda de que forma anjo e demônio deverão agir a cada situação, sem disputa, sem conflito, cada um sabendo até onde pode se entregar e a quem deve ferir.