Adolescência e senescência
Adolescência e senescência- Texto republicado em homenagem ao dia do idoso- 27/09/2023
Em uma conversa com uma amiga, sobre os nossos problemas existenciais e cotidianos, veio a questão: será que quando envelhecermos mais continuaremos com estas mesmas perguntas e problemas que estamos hoje?
Hoje, para nós duas significa os nossos sessenta anos, o marco em que a estatística considera o início da velhice. Um adulto aos sessenta anos, torna-se idoso. No nosso caso foi bem marcado: de repente, viramos idosos, trancados em casa com risco de morte simplesmente porque temos mais de sessenta anos. A pandemia nos trouxe este choque existencial. Eu que não me via como uma idosa, de repente, sou! Como lidar com todas as nossas questões de adultos? Ainda planejando a vida, querendo realizar muitos projetos e amanhecemos idosos?
Naquela mesa de boteco com o vinho anuviando a razão, disse a ela que esta fase que estamos vivendo parece a adolescência da velhice e que ia passar e não mais nos importaríamos com problemas de adultos, como ganhar dinheiro, ter carreira, ser bonito, não engordar. Em casa, lembrei de um texto do Mário Prata, “ A envelhescência” que faz uma comparação, com muito humor, entre a adolescência e a fase da vida dos cinquenta aos setenta anos, que ele chama de “envelhescência”. Então, esta comparação não é minha, mas gostaria de concordar com Mário Prata e acrescentar outras ideias.
Todos que passamos pela adolescência sabemos as tempestades e furacões de pensamentos, sensações e energia que esta fase traz. A infância não se foi totalmente e a idade adulta ainda não se instalou. Não sabemos o que está acontecendo com o corpo, com a mente e não temos nenhum controle das nossas ações. Tudo é novidade e tudo é para ser contestado. Escondemos o medo e a insegurança na arrogância da certeza de que somos diferentes do que todos os outros da espécie humana. Precisamos escolher uma profissão, aprendemos que seremos responsáveis pela nossa vida e andamos de um lado para o outro assustados e sem chão. O que sou? O que eu vou fazer? O que faço com o meu corpo, este desconhecido? Como vou viver daqui para frente?
A velhice também tem sua transição adolescente. Não é por acaso que o envelhecimento saudável tem também o nome de senescência. Esta também é uma fase de dúvidas e de crises da existência. A aposentadoria chegou, os filhos se foram e estamos pesquisando e experimentando o que fazer com o resto das nossas vidas. A aparência não é a mesma, tudo está sem controle, não sabemos o que acontece com o nosso corpo que não mais nos obedece, vira um estranho. Cada dia uma dor nova, sem explicação, cada dia uma limitação. É o treino da academia que agora é puxado, a corrida que se torna caminhada, o alimento que te causa flatulência, a dor na coluna que não te permite ser ágil, a viagem que cansa mais. Um dia dói as costas, no outro andar é um problema, no outro choramos por nada, ou acordamos de bem com a vida e felizes, insônia, muito sono. O que nos fazia bem, agora faz mal, nada é previsível. Temos que nos acostumar com a nossa transparência, as outras pessoas não nos enxergam ou finge que não estamos por perto, aquele olhar de desejo e cobiça que percebíamos no outro, não existe mais. Agora vemos olhares de respeito, de dó e, muitas vezes de impaciência, “não acredito que preciso ficar ouvindo opiniões desta velha”. Os amigos não estão mais perto, o sexo muda, os hormônios diminuem. A morte é pensada não como uma possibilidade, ela se torna uma presença com a qual ainda não sabemos lidar. As novidades são vistas com receio. O dinheiro fica escasso, temos que planejar a vida com o que temos e precisamos poupar. O olhar do outro muda, o nosso olhar perante a vida muda. O amanhã nunca foi tão incerto.
O que farei nos próximos vinte anos da minha vida? Como estarei daqui a dez anos? Será que posso planejar uma viagem para daqui a três anos? E quando não conseguir andar como será? Vou depender de filhos? Os recursos que eu tenho precisam durar quantos anos para que eu não dependa de ninguém? Ficarei sozinha?
Este estranhamento com o corpo e as dúvidas com o futuro, como na adolescência, vão se aquietar. Passamos então para a segunda e derradeira fase: a fase adulta da velhice. Aqui, temos dois caminhos, ou tornamos um idoso frágil ou envelhecemos saudáveis. Qual caminho seguiremos, independe da nossa vontade. O idoso frágil torna-se dependente e doente.
O idoso saudável, como os adolescentes, se transformam. Deixam de ser os senescentes preocupados, implicantes e ranzinzas para aflorar o ser que, finalmente, se reconhece limitado, frágil, e não se importa nem um pouco. É a fase de não fazer mais projetos e de reconhecer a impotência. Não existe futuro, não existe planejamento. É a certeza de que tem pouco tempo e que é melhor sair para a vida, feliz por ser. Finalmente se reconhece humano. Não existirão mais questões, a vida segue, tudo estará resolvido porque percebe que não faz diferença para o mundo se ele está ou não aqui. Viverá o pouco que lhe resta valorizando o que precisa e cortando todos os supérfluos que, finalmente reconhece, limitou a sua existência.
É a fase do riso solto, do deboche, da desobediência, dos afetos sinceros, do esquecimento seletivo, o que não faz bem lembrar fica no passado, da ausência de censura, da alegria sem motivo, dos prazeres simples! Você não acha que eu descrevi uma pessoa feliz?
Márcia Cris Almeida
22/06/2021