Sapato

O sapato é a forma de melhor explicar como funciona a sociedade e como perdemos a sanidade diante dos caminhos impostos por quem tem a única vontade de mostrar sua superioridade sobre o outro, que nada tem a fazer senão viver nesse enredo insano, buscando de todas as formas não contradizer para não aumentar o dano que pode sofrer.

As japonesas tinham os pés quebrados para se encaixar nos sapatos que a sociedade lhe infligiu, não como simples proteção aos pés, mas como parâmetro de beleza, obediência, dependência a um regime vil.

A Cinderela só casou com o príncipe porque o sapatinho de cristal lhe serviu como uma luva, não fosse isso até hoje seria uma gata borralheira se perguntando onde errou, seu príncipe estava tão interessado em quem ela era que foi incapaz de perceber que a menina com quem dançou era a mesma que encontrou antes na floresta e que para ela prometeu seu amor.

Os sapatos não ditam apenas moda, ditam a forma como deve se portar, mesmo que não sejam confortáveis deve se usar pois andar descalço é visto como descaso e uma afronta à evolução cultural tão duramente construída para nos diferenciar do animais e tudo mais.

Quando apertado dói, machuca, incomoda, quando folgado, solta, derruba, empederna, mas não o tiramos pois não importa o que sentimos, somos obrigados a conviver com a dor e o incômodo em prol de uma elegância aos olhos do todo.

O status social hoje é definido pelo sapato, pé descalço ou rapado, que antes eram situações concretas, já não dizem muito, hoje é determinado apenas ao verificar a marca e o modelo usado, sem se preocupar com os pés que os calçam, que mesmo cansados se mantém firmes na ideia de que não importa como se vê, importa o que os outros veem em você.