O pastor de Ózam
Fui levada pelos ares à terra de Ózam, guiada pelo pastor de Ózam.
Seu nome era a denominação do próprio planeta, pois sua identidade era ser o pastor de Ózam.
Durante a viagem, que durou dois quantis e meio (contagem de tempo de Ózam) - não faço ideia do tempo relativo na Terra - vagamos por um ar sem fim, onde eu não via chão nem céu, era um branco puro, mas não cegante, era um branco suave e pacífico. Minha mente estava limpa, não havia pensamentos para passarem pela minha cabeça, ou, se havia, passavam fora da minha cabeça, pois em nada eu pensava, nenhuma agitação podia ser detectada na minha mente. Apenas estava ali, voando.
Chegamos à terra (planeta) de Ózam. Curiosamente, o pastor a chamava de terra de Ózam, entretanto, não via nenhuma (ou quase nenhuma terra). Apenas uma ilha aqui e outra ali, de no máximo cinco metros de comprimento por dois metros de largura. Todo o resto do planeta era água.
Procurei pelos animais que o pastor deveria pastorear.
O pastor de Ózam me olhou como que pego de surpresa pela pergunta, e também como se estivesse confuso.
Até que uma luz piscou atrás da sua cabeça, como um halo, e ele entendeu a minha curiosidade.
Se ele era pastor, onde estavam os animais? Pois na Terra os pastores pastoreiam animais.
Então, rindo copiosamente, ele me disse:
- Menina, menina! Como você me dá alegria! - Não entendi de onde ele tirou isso. - Eu te disse que sou um pastor, o pastor de Ózam, ah sim! Mas não sou um pastor qualquer, não. Um pastor de animais, eu poderia ser na Terra, se quisesse, mas aqui é a minha terra, e como você vê, é repleta de água. Eu sou um pastor das águas da inundação em Ózam, também conhecida como águas da vida, ou águas do espírito.
Ózam, que andava o tempo todo na companhia de seu cajado, fez um movimento de leste a oeste (ou oeste a leste, não sei quais eram as direções, pois tudo é relativo em outros planetas) com seu cajado, e as águas sopraram forte, mas não violentamente. Era como um grande sopro, em um único jato de ar, longo, que movimentou uma grande porção de águas à nossa frente. Então, acima, pude perceber algo translúcido, algo como vapores de água, com rostos. Às vezes os rostos pareciam serenos, outras vezes pareciam sérios, e eu tentava fixar minha atenção nos rostos para decifrá-los.
A força do espírito das águas era tão grande que eu sentia no meu coração e em todo o meu corpo. Ózam disse:
- O espírito das águas vive em lugar nenhum. Um lugar vazio. Ele se move quando mando com o meu cajado. O espírito das águas deve se mover para dar vida à agua. Um dia, em milhares de anos, os primeiros seres viventes aparecerão. Serão espíritos de seres mortais, mas seus espíritos serão como imortais. E isso poderá acontecer pelo poder e pelo sopro do espírito das águas, do qual sou pastor. É por isso que meu trabalho aqui como pastor do espírito das águas é tão importante, pois desse espírito se originarão todos os espíritos de Ózam. Trabalharei pastoreando o espírito das águas por milhares de anos, até que a criação dos primeiros seres viventes se inicie.
Eu fiquei admirada com tudo o que ele me revelou. Então fiz um pedido:
- Uau, tudo isso é muito incrível! Mas milhares de anos é muito tempo, e eu gostaria de ver esses espíritos mortais, que serão como imortais. Eles habitarão corpos? Como serão? Serão como humanos? Animais?
Então o pastor respondeu:
- Menina, eu nada conheço dos animais da Terra, apenas ouvi falar de ovelhas pois são animais pastoreados na Terra. E meu trabalho é pastorear as águas assim como fazem o pastoreio das ovelhas na Terra. Entretanto, aqui em Ózam não teremos animais de espécie alguma. Os únicos seres viventes que teremos aqui serão esses seres mortais, cujos espíritos serão como imortais. Eles, vindo das águas, terão corpo semelhante às águas, e também terão corpos semelhantes aos humanos. Entretanto, em sua biologia e fisiologia serão muito diferentes (apenas a aparência será semelhante, mas a forma de funcionamento e suas necessidades serão diferentes). Não posso te mostrar agora uma imagem de como será, pois ainda tenho milhares de anos para aperfeiçoar o projeto. Mas te mostrarei a minha ideia.
Então pude ver à minha frente uma projeção da ideia dos seres que o pastor pensa em criar através do espírito das águas. São seres um pouco azulados, acredito que mais pela sua transparência e reflexão das águas do que pela cor da própria pele. Esses seres não são densos, como os humanos, mas um pouco transparentes, mas não se pode ver dentro deles, mas posso ver o que há atrás deles, como se através de seus corpos. Também pude ouvir sua voz, é como o tilintar de copos, mas não é estridente. É suave e melódico. Eles não têm cabelos. O pastor disse que ainda não sabe se vai colocar cabelos e pelos. Eles têm algumas membranas entre os braços e o tronco, e também algumas barbatanas longas (no comprimento) na parte externa dos braços e também nas pernas, para poderem nadar e voar. Como o ar não é denso, eles poderão voar. Esqueci de perguntar sobre a gravidade, mas aparentemente o planeta ainda não possuía nada... magnetismo, gravidade, e eu não sabia como toda a água permanecia sobre o planeta. O pastor também me explicou que os seres não serão sexuados. Não haverá macho e fêmea, eles serão uma única espécie de entidade. Perguntei como se daria a reprodução. O pastor me disse que enquanto houver vida no planeta, ovos brotarão do fundo dos oceanos, como pólipos, onde se desenvolverão. À medida que os embriões forem se desenvolvendo dentro dos ovos, eles se mesclam com a casca do ovo, e podemos ver o embrião, ainda como pólipo, no fundo do mar. Aos poucos o embrião recebe consciência e o tecido de seu corpo de pólipo que o liga ao fundo do mar vai se soltando, e o ser vivente chega à superfície do mar. De lá, ele já é auto-suficiente e de ninguém precisa para cuidá-lo.
Por algum motivo, senti que meu tempo de excursão naquele mundo estava acabando, e antes que o pastor prosseguisse com a explicação sobre os seres viventes, temendo que eu não tivesse todas as minhas respostas respondidas antes de partir, perguntei:
- E quanto ao espírito ou espíritos das águas, o que acontecerá a ele (ou eles)? Eles são um ou são vários? Pois vi vários rostos no espírito, mas senti apenas uma presença. E depois de criar os seres viventes, o que acontecerá com o espírito?
Então, o pastor, nada irritado por tê-lo interrompido (sem educação), respondeu-me:
- Vejo que sente que seu tempo neste planeta está acabando, e não deseja ir embora sem que eu esclareça essa grande dúvida. Percebi no seu rosto, além de admiração, uma inquietação quando estava olhando para o espírito das águas. Bom, primeiro, o espírito das águas é um só. Ele é meu irmão espiritual. Nós dois somos como sangue do mesmo sangue (apesar de não termos sangue). Quero dizer, compartilhamos a mesma origem. Eu ajudei a criá-lo com um pouco do meu fluído divino, que na verdade o nosso 'criador' usou para fazê-lo. Eu não estava totalmente consciente, mas não poderia estar mais de acordo com sua criação. E, agora, sinto que ele e eu somos parte de um mesmo todo. Se ele tem vários rostos, é por seu capricho. Ele é um só, porém, não tem forma. Por vezes, ele mostra rostos para que quem quiser veja os diferentes "estados de espírito" em que ele se encontra. Muitas vezes ele, sendo apenas um só ser, pode ter estados de espírito diferentes, como se diferentes seres ele fosse. E em relação à sua pergunta, sobre o que acontecerá a ele após a criação dos seres viventes, acontecerá o seguinte: os seres viventes serão criados a partir do sopro do espírito das águas. O próprio espírito das águas doará seu sopro, ou seja, parte de si, para a criação dos seres viventes, junto com um pouco da minha magia. Mas o seu sopro se multiplicará dentro dos seres viventes, e por isso o espírito das águas não desaparecerá. Entretanto, quanto mais e mais seres viventes forem criados e passarem a viver nas águas e acima delas, menos o espírito das águas será evidente, até um dia em que ele viverá e terá sua presença notada apenas quando os seres viventes forem minimamente puros e pararem para senti-lo. Em quase todas as eras após as primeiras gerações os seres viventes não terão consciência da presença do espírito das águas, mas terão uma intuição de sua presença e sentirão o seu poder, embora enfraquecido. Isto porque mais e mais os seres viventes se alimentarão de sua própria vida, pois um pouco após o nascimento pararão de multiplicar o sopro que o espírito lhes deu.
Esta última parte que o pastor falou sobre o espírito das águas eu não entendi muito bem, mas o meu tempo estava acabando e eu não quis insistir na explicação. Sabia que seria uma explicação longa, e desejei que encontrasse novamente o pastor para entender mais sobre a terra de Ózam.
Então, fiz uma viagem de volta à Terra, mas, dessa vez, sabia que o pastor não viria comigo. Ao nos despedirmos, o pastor mandou um monte de água cristalina e azul que molhou meu corpo, e me senti purificada. Quando estava voltando para a Terra percebi que não estava molhada, mas sentindo um frescor mental e espiritual. Enquanto voltava para a Terra, o meu pensamento estava tranquilo, como o mar de Ózam quando descansava em si mesmo - nada passeava pela minha mente. Minha mente era paz completa.