O incêndio na habitação [Mardur]
Fui a esse planeta que se chama Mardur. Lá, conheci um sacerdote poderoso.
Ele controlava as águas e o ar, o fogo e a terra, e alguns outros estados da matéria.
Um dia paramos na frente de uma habitação. Era como se fosse um prédio, com uma arquitetura diferente do que eu conhecia aqui na Terra.
Ficamos esperando, calados, por uns cinco minutos na frente deste prédio. Então, quando finalmente tomei coragem para perguntar ao sacerdote o que estávamos esperando, ele percebeu antes que eu perguntasse, e apontou o dedo na direção da habitação.
Então, percebi uma agitação crescente dentro. Vultos de pessoas apareciam correndo pelas janelas, e pouco tempo depois todas as pessoas saíram pelas portas do prédio. Não entendi o que estava acontecendo, até que comecei a sentir cheiro de um gás estranho e fumaça. De repente, algo explodiu. Alguns andares vieram a baixo e a porta do prédio ficou completamente bloqueada.
Uma moça gritava desesperadamente para que salvassem Ros, o animal de estimação dela. Era uma espécie de gato com feições de raposa. Ela estava voltando do Kidur (uma espécie de supermercado), e ficou desesperada quando viu que o prédio estava vindo a baixo com seu querido Ros.
Então olhei para o sacerdote, na esperança de que ele salvasse Ros. Pois o sacerdote tinha todo o poder para salvá-lo.
Vendo o que eu esperava, o sacerdote me disse:
- Criança, entendo a sua angústia, mas não posso salvar o pobre animal.
Vendo que eu esperava uma resposta, uma explicação, o sacerdote continuou:
- É preciso sacrifício para abrir os olhos de pessoas que não conseguem entender de outro modo. Aqui em Mardur, as pessoas consomem desesperadamente a carne de Bizus (animais parecidos com os bois da terra, mas com focinho - e inteligência - de porcos). O desespero desses Bizus na hora do holocausto é tão grande que produz uma energia monstruosa, e essa energia alimenta os estômagos de todos os seres de Mardur. Mas não é uma energia boa. É uma energia que traz sede de sangue. Mesmo que a pessoa que consuma a carne do Bizu não sinta vontade de fazer o mal a outra pessoa, ela atrai desgraças e doenças para sua própria vida, e envenena a psicosfera do planeta, provocando guerras.
Mas as pessoas são tão viciadas nessa carne que elas não conseguem deixar de ingerir por sua própria vontade. Então uma das tarefas dos sacerdotes é levar as pessoas a perceberam com o seu próprio coração a desnecessidade de se alimentar da dor dos Bizus quando todos temos tantas opções de alimentos que não provocam dores em ser vivo senciente nenhum.
Agora você está vendo esta moça que implora pela vida de Ros. Ela, em todas as refeições que faz ao longo do dia, consome um pouco da carne de Bizu, e de todo o seu tormento. É tormento e desespero condensado na carne. Ela alimenta-se de seu desespero dia e noite, todos os dias.
Por isso, para abrir os olhos da moça para a compaixão pelos animais, seu estimado Ros deve morrer. A moça sentirá a perda do seu amado Ros e verá que não há diferença do seu sofrimento para o sofrimento de um Bizu, que é irmão-animal de Ros.
Tudo isto deve acontecer pois nosso tempo em Mardur é curto. Se toda a humanidade não mudar sua frequência o quanto antes, nenhum de nós sobreviverá.
E assim aconteceu. Ros foi consumido pelo fogo. As labaredas do fogo subiram por todas as paredes e elas ficaram carbonizadas. Estávamos do lado de fora do prédio, a uma boa distância, e mesmo assim o calor era insuportável. A moça chorava e soluçava vendo Ros ser consumido pelo fogo. Ele estava atrás de uma janela de vidro que estava fechada, e vimos seu desespero, tentando sair.
Eu não conseguia entender por que o sacerdote permitiu tamanha crueldade para com um ser inocente para abrir os olhos de uma moça.
O sacerdote me disse:
- Mardur teve mais de seis mil anos para desenvolver compaixão, após a época de trevas. Mesmo assim, não conseguimos. Não é época de trevas e ainda assim as pessoas de bem se alimentam de iniquidade. Enquanto alguns conseguem praticar a compaixão naturalmente, outros apenas conseguem entendê-la através da dor.
E assim comecei a entender a justiça de Mardur. Não a justiça dos homens, que infligia tanto sofrimento aos Bizu, a ponto de alterar a psicosfera de todo o planeta. Mas a justiça sagrada, que por compaixão a todos os injustiçados acorda o coração daqueles que viverão a misericórdia.