Um dia ou, preferencialmente, uma noite
Começo com a primeira frase do primeiro capítulo do romance Manual da Paixão Solitária, de Moacyr Scliar, que em 2009 lhe deu, pela terceira vez, o Prêmio Jabuti: “Um dia – ou uma noite, de preferência uma noite, a noite é mais propícia para gente como nós e para a evocação da memória que deixamos – alguém lembrará de mim.”
Por que estou escrevendo isso? Sei lá! Escrevo sobre o que me dá vontade de escrever, sem amarras e sem compromisso com assunto predeterminado. Para mim, ser cronista, bom ou ruim, é isso. Para hoje, eu pensara, por exemplo, em escrever sobre uma frase latina bem engraçada, esta: “Mater tua mala burra est.” Mudei, contudo, de ideia na última hora e deixei para depois. Prometo, contudo, aos leitores interessados que o farei. Aliás, talvez o farei, sei lá.
Pois bem, citei, faz anos, a frase acima transcrita de Moacyr Scliar. Fiz isso na crônica “De preferência, uma noite”, escrita e publicada nos meus blogues, logo após tomar conhecimento da morte de Moacyr Scliar, no dia 27 de fevereiro de 2011. Escrevi aqui, em Marabá, seio da Amazônia, no extremo norte do Brasil, enquanto o corpo dele era velado em Porto Alegre, no extremo sul. Foi minha homenagem ao grande escritor cujas crônicas eu lia semanalmente na página da Academia Brasileira de Letras, que reproduz os textos dos imortais publicados nos grandes jornais do país.
Hoje, resolvi citá-la novamente, porque é início de ano e me lembrei de algumas pessoas que – inesperada, violenta e definitivamente – foram arrancadas (sim, o termo é esse aí mesmo, arrancadas) do nosso convívio pela pandemia. E porque, para mim, se trata de uma frase enigmática, forte, carregada de sentidos, que o escritor faz ecoar pela boca do personagem. Daí a razão por que a escolhi naquela noite para encerrar a crônica com que eu, como leitor e admirador, o homenageava.
É, eu sei, fala de personagem, mas personagem do Manual da Paixão Solitária, a qual poderia ser a fala do próprio escritor referindo-se a si mesmo, embora, do ponto de vista do reconhecimento, ela jamais possa ser aplicada a Moacyr Scliar, que era famosíssimo, como escritor e como médico. Lembrei-me, porém, da solidão dos escritores de que, na crônica “O leitor”, publicada na revista Caros Amigos e depois no seu livro Deus-dará, fala a bela e culta romancista cearense Ana Miranda.
Eis, à minha maneira, na primeira crônica do ano, sem gosto e sem graça como sempre, uma singela homenagem àqueles de cujo convívio a pandemia tão cruelmente nos privou para sempre sobre a terra. E, como seria impossível declinar o nome de todos eles aqui, peço vênia ao leitor para fazer isso citando nominalmente o inesquecível amigo Dr. Nagib Mutran Neto.