Ô bicho espaçoso!
Ô bicho espaçoso!
Gutemberg Armando Diniz Guerra
Engenheiro agrônomo
As ruas se alargaram, mas continuam insuficientes para o volume de veículos que se alastrou muito mais rapidamente de que todos os dispositivos de transporte urbano. Canteiros com árvores e calçadas para o pedestre tanto quanto históricas edificações vem sendo sistematicamente eliminados para que as viaturas possam trafegar mais fluidamente ou dormirem tranquilamente em estacionamentos confortáveis. Ouvem-se os protestos dos cidadãos brasileiros em todos os estados, desde que abram-se os ouvidos e os olhos para os jornais escritos, televisivos e para as redes sociais.
O mais importante nessa análise entretanto é o porque desse número de carros ter aumentado tão rapidamente. Utilizados sempre ou muito frequentemente por poucas pessoas e ficando a maior parte do tempo ociosos em estacionamentos improvisados, ocupando metade ou um terço das vias, das residências ou escritórios, eles parecem mais estar em cabides para o uso de alguns que não suportam o uso de transporte coletivo, esse cada vez mais defasado em termos de conforto aos passageiros. Os ônibus cumprem o contraditório serviço de transporte público e coletivo, em números exageradamente insuficientes nos horários de maior fluxo e trabalhando em grande parte do tempo com seus espaços desocupados e ociosos em outros horários de menor demanda, cumprindo mais uma função burocrática de que efetiva e confortável de deslocar pessoas e mercadorias de um ponto a outro das cidades.
O fato é que para esses veículos, parados ou andando, as ruas não dão conta para que a vazão ou a velocidade que lhes tornem capazes de encurtar o tempo das pessoas para cumprirem suas tarefas diárias, fazendo com que se gastem muitas horas de deslocamento que não são computadas como uteis e merecendo ser pagas aos trabalhadores. Como esses moram em locais menos privilegiados, longe de onde se concentram as atividades laborais, isso se soma às oito horas de trabalho normalizado como obrigatórias, de segunda a sexta feira ou sábado pela manhã. Conheço muitos deles que acordam de madrugada e retornam tarde da noite para parcas horas de convivência com a família e o repouso necessário.
Quem prestar a devida atenção aos semblantes das pessoas que moram nas periferias e trabalham nos centros urbanos, verificarão mudanças profundas e sinais claros de esgotamento físico por conta de jornadas de trânsito e trabalho longas e estafantes. Parte desse cansaço vem da qualidade das vias e dos transportes coletivos utilizados nesses deslocamentos. Daí decorre o desejo de ter um veículo próprio, seja ele de duas ou quatro rodas, de preferência motorizado.
O que merece a atenção central dessa crônica é o espaço que os veículos ocupam em nossas aglomerações urbanas e na vida das pessoas. O planejamento se apresenta precário quando se trata desse assunto principalmente se observadas as marcações feitas para a acomodação desses equipamentos nos estacionamentos. Para cada marcação delimitando o que deveria caber um, normalmente se ocupam duas delas para cada veículo estacionado. Outro dia um valete comentou, ironicamente, que os carros estavam engordando e já não cabiam em uma vaga apenas. O fato é que se usado o espaço reservado a cada um, dever-se-ia utilizar controle remoto para que o motorista pudesse sair do veículo antes desse entrar no espaço a ele reservado. Quando tenho entrado nos estacionamentos e vejo veículos estacionados ultrapassando o espaço delimitado, fico a me perguntar se o que está demarcado é o espaço onde o trambolho deve ser colocado ou se as linhas são orientações, miras para auxiliar o motorista daquelas geringonças. E isso porque em vez de estacionarem entre as duas linhas, há quem o faça justamente em cima de uma delas, ocupando duas vagas.
Nos estabelecimentos e prédios que vem surgindo, verticalizando-se as residência ou horizontalizando-se os comércios, os espaços dedicados aos estacionamentos tem se constituido em prioridade. É curioso que taxis tenham também partes significativas das ruas destinadas a que fiquem parados, esperando o chamado dos clientes. Em cidades modernas isso não existe. Taxi fica rodando...
Lembro muito do que dizia um amigo carioca sobre o seu pai que não conseguia sair de casa sem que fosse montado no seu cavalo de aço motorizado. Dizia ele que o pai vestia o carro e saía. Sem ele se sentia nu.
De qualquer maneira, é só um o pensamenteo que me ocorre de imediato ao ver tanto espaço ocupado por automóveis, de todos os tipos e tamanhos, em logradouros diversos, das ruas e praças às garagens de condomínios e residencias individuais: ô bicho espaçoso!