Opióide
O ópio, seja natural ou sintético, foi criado para nos tirar de nós mesmos por alguns instantes, nos fazer sentir que toda dor que sentimos já não nos controla, nos seda de tal maneira que o mundo enfim parece fazer sentido.
Nosso sistema nervoso é invadido por substancias até então desconhecidas para ele, que o controla e lhe diz: quem manda aqui sou eu, vou te mostrar como se faz.
E faz realmente, gera sensações que naquele momento esse sistema é incapaz de produzir, prazer, bem estar, euforia, calma, tudo o que sozinhos não somos capazes de sentir.
Desde que o mundo é mundo assim o é, buscamos meios de suportar o insuportável: Viver.
Assim...
Me droguei pela dor da alma e me droguei pela dor do corpo. Sempre esperando que a dor passasse, que o sofrimento cessasse e que tivesse um pouco de paz.
Me entorpeci para calar minha mente que incessantemente lutava contra mim. Sua voz que ecoava em meu ser tudo o que eu não podia ser.
Me inebriei em tentativa vã de esquecer de mim mesma, dessa casca oca e frágil em que me tornei e que em nada se assemelhava com o que espera parecer.
Entreguei o controle de minha existência a algo pelo qual eu não tinha controle algum.
Não percebi, de inicio, que a dor que eu tanto queria que acabasse na verdade crescia a cada dia e já não estava mais sozinha, não era mais só minha.
Minha fuga, a partir de então, não se perfez apenas de mim mesma, mas de tudo e de todos, não queria levar para lama quem nada fez para merecer isso, fugi de mim por não me amar e fugi do amor do outro por não me sentir capaz de retribuir e por me sentir sufocada pelo cuidado despendido.
Fugi tanto, para tão longe, que mesmo perto me sentia distante, procurei em todos os lugares um lugar para ficar, me recostar e ter um minuto de sossego.
Me perdi em mim, todo ópio que encontrei me levou a estar onde eu nunca imaginei ser possível ficar, minha mente com quem eu tanto digladiei se tornou meu abrigo seguro, ali o mundo não poderia me atingir.
Não vi que o mundo não se importava comigo, meu ego me fez crer que eu era importante, mas na verdade toda a luta que eu travei por não me sentir a altura do que a vida esperava de mim não passava de uma luta minha comigo mesma, porque o fora nem ligava ou desconhecia minha existência.
Aos poucos fui me dando conta que o outro a quem eu tanto queria me espelhar e que tanto eu buscava agradar tinha sua própria vida e suas próprias dores a aplacar e que a única coisa que eu estava fazendo era causar ainda mais dor a eles, que de forma única buscavam seus próprios ópios para se aliviar.
Me deixei um pouco de lado para ver além de mim, do mundo que criei para mim, e o que vi foi ainda pior do que pensei, meu umbigo não era sequer um grão de mostarda na imensidão de dor que o mundo assolava.
Todos buscamos a mesma coisa, mas cada um concentrado em seu próprio mundo de problemas criado por si mesmos para não verem os problemas do mundo.
E assim percebi que cada grão de mostarda carrega um universo de dor que somado a outro grão de mostarda, e outro, e outro transforma o mundo no único lugar do mundo em que não se deseja estar e só com o ópio é possível suportar, mas nem o mais forte dos ópios é capaz de aplacar.