JUSTIÇAMENTO, LINCHAMENTO E JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS ("Linchamento, recrimino! Elimina-se um ladrão, criam-se dezenas de assassinos". — José Roberto Cercal)
Eu estava animado para dar a minha aula de sociologia naquele terceiro ano do Ensino médio sobre um tema polêmico: o justiçamento, ou seja, a prática de fazer justiça com as próprias mãos, sem respeitar o devido processo legal. Um assunto que pode cair no Enem. Por isso preparei uma apresentação baseada em um autor que defendia que os linchadores também eram criminosos, pois violavam os direitos humanos e a ordem social. E esperava uma discussão produtiva e respeitosa com os meus alunos, mas me deparei com uma situação constrangedora.
Uma aluna, que parecia entediada e desinteressada, levantou a cabeça somente para me contradizer. Ela disse, com uma voz firme e desafiadora, que estupradores deviam morrer, e que quem os matava estava fazendo um favor à sociedade. Ela não quis ouvir nenhum argumento contrário, nem se importou com as outras opiniões da turma. Ela simplesmente impôs a sua visão, como se fosse a única verdade absoluta.
Nesse caso, fiquei sem reação. Não sabia como lidar com aquela situação. Se eu concordasse com ela, estaria indo contra os princípios da minha disciplina e da minha ética profissional. Se eu discordasse dela, estaria arriscando ser acusado de apoiar e defender estupradores. Naquele momento me senti encurralado, sem saída. Contudo, não tinha mais condições de continuar a minha aula, apenas me calei e sentei à mesa para dar visto nos cadernos.
Depois daquela situação, perguntei-me como uma aluna tão jovem e inteligente podia ter uma opinião tão radical e intolerante. Será que ela tinha alguma experiência traumática que a fez pensar assim? Será que ela tinha sido influenciada por alguma ideologia ou grupo extremista? Será que ela tinha consciência das consequências do seu pensamento?
Eu fiquei triste e preocupado, poderia ser só uma demonstração de aversão a minha pessoa. Nisso percebi que o meu papel de educador era muito mais difícil do que eu imaginava. Eu não podia simplesmente transmitir conhecimentos e conceitos. Eu tinha que formar cidadãos críticos e conscientes, capazes de dialogar e respeitar as diferenças. Eu tinha que mostrar aos meus alunos que a justiça não se faz com violência, mas com razão e direito. Espero que eles lembre disso na redação do Enem.
Espero, também, que um dia essa aluna possa mudar de opinião, ou pelo menos se abrir para ouvir outras perspectivas. E que ela possa entender que o justiçamento é uma forma de barbárie, que só gera mais ódio e vingança. Que entenda o valor da vida humana, em todas as suas formas e manifestações.