LENTE DA SAUDADE (BVIW)

Entro pela ala central, vou caminhando pelo Cemitério da Saudade. O sol é quente, tira faíscas dos metais sobre as lápides. Mais à frente, o pequeno tanque d’água, ciprestes em sombras refrescantes e aromas canforados. A “Cidade dos Mortos” é fascinante. E aqui nada há de mórbido: o ambiente dos cemitérios traz paz, um silêncio que acalma. Quando eu era estudante, no meio da tarde, por muitas vezes comecei a leitura de algum romance à sombra do jazigo dos Bernardes de Castro, um dos mais antigos, e com sombra mais fresquinha que há por ali.

Gosto de observar a geografia do nosso Campo-Santo. Ele é, sim, uma perfeita cidade com seu traçado singular, suas pequenas quadras agrupando as casas dos que ali descansam. Acho bonitas aquelas moradas com seus detalhes amorosos, homenagens dos que ficaram com a saudade. Gosto especialmente de jazigos que mostram as muitas gerações com seus retratos de família — muitos, congelados num segundo de rara felicidade. Penso nesse último ponto de encontro, portal para a eternidade, ostentando sorrisos póstumos na promessa para outros recomeços. Por trás de um derradeiro retrato de família, dando vida a uma pedra fria, há uma preciosa história a ser lembrada — esse é sempre um jeito de consolar a alma diante da ausência de quem foi amor. E sempre será.

Tema da Semana: Retratos de Família (crônica)