tempos idos - BVIW
Devo confessar a vocês que já nasci picada pelo ferrão da nostalgia. Se existe mesmo reencarnação, eu me vejo, em minha mais longínqua reminiscência, vivendo lá por meados do século dezenove, caminhando de sombrinha pelos campos no interior da Inglaterra. Que vida boa eu tinha! Qualquer semelhança com cenários de Austen não é mera coincidência. Mas hoje a nostalgia vem como se eu visualizasse aquele velho retrato de família em preto e branco, onde, tal qual nos filmes, as imagens vão se desvanecendo sob o poder dos efeitos especiais, até só restar um vazio no lugar de cada corpo que se extingue. Vejo o rosto de minha mãe e o vão profundo de uma amizade e de um afeto que jamais poderão ser retomados. Meu pai, levando consigo as histórias e a sabedoria de vida. Meu avô, que morava conosco, e cujas visitas em sonhos já não acontecem mais. A Tia Ana, minha xará, e as melhores lembranças da infância, nas tardes em sua casa antiquíssima, e cujo aroma do interior de quitandas alemãs e do exterior úmido de abundante vegetação, são talvez as minhas mais doces memórias desses tempos idos. Os rostos alegres dos tios e tias, onipresentes na minha vida, todos, todos eles perdendo os contornos e desaparecendo da superfície desse retrato, agora estranhamente desabitado. E enquanto meu peito se enche de uma melancolia inevitável, mas não de todo ruim, eu sinto mais do que nunca que envelhecer é administrar saudades.