BRASILEIRAMENTE LINDAS...

BRASILEIRAMENTE LINDAS...

"...o Passado é uma roupa /

que não nos serve mais"!

BELCHIOR (trecho de canção)

Não hesito nem um pouco ao afirmar que Belchior é o melhor LETRISTA que o Brasil viu nascer em todos os tempos, superior até a Gil e Caetano, a um surrealista Zé Ramalho -- do "povo-gado" e de "AvôRai" -- ou dos "paus, pedras e tocos pelos caminhos" das vidas de Tom Jobim, de Vinícius e Toquinho. Nossos melhores compositores tiveram momentos sublimes, canções que se eternizaram... diria eu que Antônio Carlos Belchior os teve em abundância, quase tudo o que produziu se insere no patamar do GENIAL.

Levei décadas com essa incerteza, com a dúvida cruel, com a tortura de não poder gritar minha conclusão aos 4 cantos ! Pois agora posso... um singelo "caderninho frente & verso" (12 x 12 cm) lotado de desenhos e caricaturas feitas por Belchior traz a letra de 25 canções do mestre das metáforas e expressões líricas, Poesia SEM IGUAL. Vem com poucas fotos e representa 2 CDs com o que de mais expressivo Belchior produziu. Nem ouso reprisar todos os textos, este artigo ficaria imenso. Minha intenção é argumentar que Belchior deveria ser motivo de estudo em Escolas Públicas do país inteiro, pela descrição que faz dos momentos que viveu -- "Pequeno perfil de um cidadão comum", diz o título de um lado do livreto -- e da situação do povo e do país em "Pequeno Mapa do Tempo", o lado "inverso" (de ponta-cabeça) da mesma obra.

Não, não vou descrever aqui as letras todas, apenas lamentar que a voz anasalada de Belchior não colaborou para torná-lo conhecido, tocado e cultuado. Diria eu que a "pimentinha" Elis Regina fez muito mais pela obra dele do que o próprio Belchior. Elis "encarnou" o Autor no que suas canções tinham de mais expressivo: o DESESPERO ! A angústia existencial por ver (e ser) um povo inteiro sem forças nem condições para mudar o país. É nisso que reside a mensagem maior das letras do "bigodudo":

-- "Não sou feliz, mas não sou mudo... hoje EU CANTO muito mais" !

Contudo, Belchior não era só dramas coletivos e pesadelos pessoais... havia espaço nele para comentários satíricos, sarcásticos, jocosos, até de duplo sentido: "Eu sou como você, que me ouve agora ! / Eu sou como você... / eu SÓ COMO você" ! (in "Fotografia 3 x 4")

Na canção "BAHIUNO" -- em surpreendente parceria com um certo Francisco Casaverde -- prevê (diria eu que PROFETIZAVA) nos anos 70 o "Futuro bolsominion" de nossa menosprezada Nação:

"Trogloditas, traficantes, neonazistas, farsantes: barbárie, devastação. /

O rinoceronte é mais decente do que essa gente demente do Ocidente TÃO CRISTÃO". (Mais claro que isso é impossível !)

Numa canção cheia de metáforas e non-sense ele elogia uma... GELADEIRA, "objeto-mulher", "primeira escrava branca que comprei, veio e faz e revolução". (...) / E ao pôr fé nessa deusa gorda da tecnologia, gelei de pura emoção" ! O trecho acima é só a estrofe inicial; a "sandice" continua por quase 30 linhas e encerra, toda em Francês. Destaco isso:

"Pra que Deus, Dinheiro, Sexo, / Ideal, Pátria, Família, / pra quem já tem Frigidaire"? Além de "trair a televisão" com a "deusa gorda", Belchior faz recordar outra amarga verdade tupiniquim... "Afinal, "na geladeira", bem ou mal, pôs-se o futuro do país" ! (XEQUE-MATE !!!)

Sugiro aos leitores desavisados que procurem o desconhecido LP "OBJETO DIRETO", de 1972 eu acho, capa toda branca: tem letras belíssimas e parceria estupenda com Fagner em duas canções. O poeta Belchior escrevia como POESIA suas músicas, boa parte delas. Vejam como ficou... "YPÊ":

"Contem-plo o rio que corre parado

e a dançarina de pedra que evolui.

Completa-mente, sem metas, sentado,

não tenho sido: EU SOU! Não serei, nem fui!

m s

A ente quer er mas, querendo e(r)ra;

g t

pois só sem desejos é que se vive o agora.

Vêde o pé do Ypê: apenas mente, flora;

R V L C O A I M N E

E O U I N R A E T

apenso ao pé da serra.

(BELCHIOR)

Agora, saia(m) do meu caminho, (que) eu prefiro andar sozinho...

"NATO" AZEVEDO (em 18/set. 2023, 6hs)