RETALHOS DA MEMÓRIA.
Os temas para as crônicas que semanalmente escrevo estão cada vez mais difíceis de se encontrar, às vezes eu busco por um tema como uma agulha em um palheiro, porém, de um jeito ou de outro encontro algum assunto para falar. Talvez a minha dificuldade maior em encontrar um tema se dê pelo meu cansaço diário, a labuta interminável de pequenos afazeres universais, dia após dia, hora a hora, consumindo a maior parte do meu tempo. É quase um bloqueio criativo, eu poderia até dizer que seja um princípio, no entanto, logo o desfaço de um jeito tão misterioso quanto o próprio ato mágico da escrita em si e das palavras jogadas no papel. É nesses momentos angustiosos que me lembro dos grandes nomes da crônica brasileira, um dentre muitos gênios chama a minha atenção, Rubem Braga, ou, velho Braga como era conhecido, escritor que fez fama trabalhando unicamente nesse gênero, ele sempre achava um assunto quando não havia nada a dizer.
Hoje estou em um desses dias de grande inquietude, vasculhando cada canto da minha memória em busca de qualquer coisa que seja útil para lhes trazer. Recordações da infância, adolescência, o tempo de escola, enfim. Eu poderia falar do tempo em que me aventurei no seminário estudando para ser padre, embora eu não tenha ido longe como seminarista, porém, valeu a experiência. Hoje em dia sou de outra religião, no entanto, o que aprendi lá jamais vou esquecer. A memória é traiçoeira, são tantas recordações que aparecem, e, de repente, somem do nada, tenho tudo e no instante seguinte já não sobra uma fagulha se quer. Então, percebo os retalhos deixados para trás, são esses pedaços costurados de forma desajeitada com palavras ao vento, ideias aleatórias, pequenos ajuntamentos de pensamentos desordenados que se tornam a minha única esperança para a crônica deste domingo.
Eu poderia falar do meu sonho de viver unicamente de literatura, de escrever grandes romances, ser conhecido, ver os meus livros nas prateleiras das grandes livrarias, fazer noites de autógrafos, prêmios. Sonho que surge e depois desaparece, assim como as ideias e lembranças, sombras de nuvens que passam.
A minha infância é recheada de aventuras e desventuras, eu poderia falar disso, morei em uma fazenda até aos doze anos, foram tantas traquinagens, a convivência maravilhosa com os meus irmãos... Isso também são partes dessas lembranças fugitivas e brincalhonas.
Afinal, sobre o que vou escrever?
Eu poderia falar das minhas leituras, das poesias que escrevo, ou do meu novo romance... Eu poderia confidenciar os meus devaneios, as loucuras do meu pensamento confuso. Percebo então que é inútil ficar tentando encontrar algum assunto magnífico, grandioso, no final sou apenas simples catador de palavras tentando costurar ideias com as linhas da prosa, formando esses retalhos de dizeres vãos. Talvez na próxima semana eu lhes traga algo mais satisfatório e interessante, por hora, termino aqui, com um pouco de tudo em um pingo de nada. Às vezes eu também tenho vontade de simplesmente desistir, jogar tudo para o alto e esquecer as crônicas semanais, as poesias, o romance, a literatura, mas não consigo. Existe alguma coisa lá dentro que é mais forte e me impulsiona a continuar tentando, catando uma palavra aqui, outra acolá, juntar tudo e vê no que vai dar no final.