ÁGUA COM GOSTO RUIM DE MIJO DE ANIMAIS

Algumas passagens tristes e repletas de agruras do livro VIDAS SECAS do grande escritor Graciliano Ramos me fizeram levar para um fato que aconteceu comigo no intervalo de uma viagem à minha cidade natal. Eu disse - intervalo - pois a fatídica viagem foi interrompida por um problema sério no carro que nos transportava e tivemos que continuá-la a pé, na vaga esperança de encontrar uma carona. De Oeiras a Simplício Mendes a distância aproximada é de 102 km. E o problema no carro aconteceu após os primeiros 30 km. O horário que isto ocorreu era um pouco mais do meio-dia. Não sei de quem partiu a ideia de seguirmos a pé por aquela estrada erma e inóspita, com um sol abrasador que pagava todos os pecados de um ser humano. E além do calor infernal, a fome também ia também deixando qualquer pessoa com as pernas trôpegas e nenhuma bendita árvore frondosa na beira da tal estrada existia para se descansar um pouco daquela caminhada sufocante e infindável. Éramos em cinco pessoas. Só eu um adolescente. Os adultos levavam alguma vantagem para enfrentar aquela desventura. Lembro-me que eu ia sempre ficando para trás e não adiantava pedir ajuda, pois ninguém ali tinha para tal. Era ter fé em Deus e pé na estrada.

Após de quatro horas de caminhada, com a boca seca pela sede e o estômago roncando pela fome insuportável, eis que olhei para um lado da estrada e vi um pequeno círculo como se fosse de água. Ou estava delirando? Por via das dúvidas, fui até lá e agachei para tirar dúvida se era água mesmo. Sim, era líquido pegajoso e sujo, mas senti molhar a mão. A sede era tanta que juntei as duas colhendo um pouco daquilo e levei à minha boa, um pouquinho consegui engolir e o restante joguei fora, pois senti um gosto ruim como se fosse mijo de animais. Neste ínterim, ouvi as outras pessoas gritando o meu nome, talvez pensando que eu havia desmaiado no caminho. Não tinha nem forças para responder: "Estou aqui" ou "Estou indo". O certo é que, com muita dificuldade continuei a caminhar e vendo apenas o vulto das outras pessoas lá na frente.

Quando o sol estava se pondo, finalmente, percebi quando elas saíram da estrada, indo pedir ajuda numa casinha humilde no meio do mato próximo. Após algum tempo também me aproximei e já me trouxeram um caneco com água fria, que delícia. Enquanto isto a dona da casa já estava matando uma galinha e em pouco tempo, como a nossa fome era tamanha, foi nos servida com um arroz um pouco cru. Mas isto não veio ao caso. O importante foi matar a sede e fome que estavam nos levando ao nocaute por aquela longa e angustiante caminhada. Entre os mortos e feridos, se salvaram todos, graças a Deus. Ainda bem que em nossa companhia não havia nenhuma cachorra Baleia, como no romance de Graciliano Ramos e sim uma galinha ou até galo, sabe lá Deus.

JOBOSCAN
Enviado por JOBOSCAN em 15/09/2023
Código do texto: T7886667
Classificação de conteúdo: seguro