ENTÃO AOS 29 aninhos, fui diagnosticado com um PÓSTUMO "TDAH" na infância, dentre várias outras coisas que se seguiram através E em consequência dele. Inútil pra se seguir em frente, mas que foi compreendido pelo médico como algo que eu MERECIA SABER sobre meu passado, algo que explicasse porque sofri e que tirasse de mim a culpa. "Póstumo" porque nos anos 80 e 90 ninguém nem tentava explicar coisa alguma. Hoje vejo uma multidão de pessoas "postumamente diagnosticadas" se tratando com remédios, bebidas, drogas e "amor". Uma avalanche de "Tive isso", "Tive aquilo", "Descobri isso e aquilo"; tentamos remediar uma avalanche com tijolinhos de Lego nas mãos. Uma geração de artistas assassinados por um contexto. Me lembro de ser preparado por minha mãe, pra uma prova de geografia num dos fins de semana mais longos de infãncia. Apenas pra conseguir decorar mapas e nomes (coisa que até hoje não consigo fazer direito). Minha mãe tentando extrair pedagogia do fundo da alma pra que eu aprendesse. Mas, pra mim o que eu tinha era burrice. E a burrice é dogmática, você aceita como verdade absoluta e repete. É por isso que hoje existe uma constante terceirização do fracasso geral, nos governos... Nos sentimos burros e nos livramos da culpa. Burros da Igreja dos Burros. No dia da prova, em algo que seria chamado hoje de "crise de pânico", conhecido na época como "chilique", entrei na sala pra fazer a prova, olhei a mochila, tinha esquecido a caixinha de lápis de cor. A professora me olhou com triunfo. Eu era mestre das micro-expressões pois via o mundo passar TÃO RÁPIDO que as expressões se tornavam lentas. Uma risadinha de canto de boca seguido de um olhar... Ela me parecia imensa. Hoje vejo que possivelmente fosse uma mulher baixinha, estressadinha, cheia de neuroses... mas pra mim naquele momento, era algo como a Esfinge.

 

- A PROVA É PRA FAZER COM LÁPIS DE COR - Ela disse em voz alta.

- Eu esqueci a minha... Posso pegar emprestado?

- NÃO. 

- Posso esperar alguém acabar a prova e pegar emprestado?

- Tsc. Tsc. NÃO.

- Eu vou escrever o nome das cores nos mapas... Pra você ver que eu estudei.

 

... Enfim, minha notinha foi ZERO. Ano seguinte eu repetia a quinta série. Não só por causa dela, mas porque todos os professores daquela escola eram como ela (e eu era dogmaticamente burro). Aí hoje eu quero ser professor, como um cientista forense querendo voltar à cena de um crime, uma tentativa de assassinato. E os mesmos "tipos" que me chamavam de burro, hoje me chamam "Cronista e Poeta" e hoje aqueles burros como eu insistiram "levando a vida na arte" e são raros... são artistas. Espécie em extinção? Tsc. Tsc. NÃO. Ainda brutalmente criticados mas sabendo que no fundo, levariamos o mundo nas costas, simplesmente por conseguirmos sobreviver sendo únicos. Uma geração de bons mestres teria criado uma frota de "Saramagos" mas fizeram de nós minoria... uma minoria ameaçadora justificada por "diagnósticos póstumos", que explicam mas não justificam e muito menos consertam. Duros na queda, pois foi a queda que nos criou. 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 15/09/2023
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