O telefone
O telefone toca com aquele som estridente de antigamente que anunciava para a casa toda e a vizinhança que alguém estava ligando para cá. Preciso mudar esse aparelho, falo comigo. Mas fica nisso. Acabo esquecendo e a intenção volta na próxima chamada. E as chamadas aqui não são muito distantes, embora eu tenha por hábito atender uma e outra não. Expediente tolo, diga-se de passagem, porque as pessoas voltam a chamar.
— Alô, eu disse ao telefone.
— É o sô Lindolfo?
— O próprio. E você quem é?
— Eu sou a Márcia que vendeu o equipamento para o senhor.
— Ah, tá certo, já me lembro quem.
— Queria saber se o senhor está satisfeito?
— Uai, é pouco prazo, mas lá vai funcionando muito bem.
— Ah, que ótimo.
— Apenasmente, ele faz um pouco de barulho. Não sei se incomodará os vizinhos.
Ela riu do outro lado da linha:
— Com certeza que não. Nenhum cliente, até hoje, falou sobre barulho.
— Oxalá, não incomode mesmo.
Ela se despediu e desligou.
No dia seguinte, o velho aparelho volta a choramingar. Preciso mudar esse aparelho, falo comigo.
— Alô, é o sô Lindolfo?
— Sim.
— Aqui é a Márcia que lhe vendeu o equipamento.
— Certo.
— Queria saber se o senhor está satisfeito?
— Estou sim, dormindo muito bem. O equipamento é macio.
— Trabalha macio o senhor quer dizer?
— Se a expressão sua é essa.
— Sua esposa está gostando?
— Ela não teve oportunidade de ver ainda.
— Uai, ela está viajando?
— Está nada. Foi falta de oportunidade.
— Acho que o senhor está fazendo alguma confusão. Eu sou a Márcia que lhe vendeu um colchão com equipamentos.
— Ih, menina, foi uma bruta confusão mesmo. A outra chama-se Márcia também e me vendeu um equipamento para tirar lodo lá na fábrica.
Melhormente, lembrar Gabriela Mistral: “Dai-me Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço”.