Por que os ônibus de viagem não têm janela?

Entrei no ônibus, minha poltrona era a da janela, coloquei minha bagagem de mão no bagageiro que fica acima das nossas cabeças e sentei. Hoje em dia as janelas dos ônibus não abrem mais, a gente pode até viajar curtindo a paisagem, mas faz falta sentir os cheiros e ouvir os ruídos dos lugares por onde passamos e a sensação gostosa do vento refrescante batendo na cara, estamos presos numa caixa hermeticamente fechada, com um ar condicionado sempre mais frio do que o necessário e um silêncio absoluto.

Uma senhora que aparentava ter acabado de entrar na terceira idade subiu os degraus, passou pela porta que levava da cabine do motorista ao interior do ônibus, olhou para o bilhete de passagem, depois para as plaquinhas que ficam no bagageiro indicando o número das poltronas, voltou a olhar para o bilhete, depois para mim, balançou a cabeça afirmativamente, me pediu licença e se sentou. Me desejou boa viagem e foi pegando seus fones de ouvido, respondi desejando o mesmo enquanto ela os colocava. O motorista passou pelo corredor conferindo se o número de passageiros à bordo batia com o número de bilhetes de passagem que foram entregues a ele, voltou, nos instruiu sobre o uso do cinto de segurança (que ninguém usa), falou das paradas que seriam feitas durante a viagem, nos desejou boa viagem, entrou na sua cabine, fechou a porta, deu a partida no ônibus e começou a nos conduzir ao nosso destino.

Assim que pegamos a estrada, comecei a ouvir um barulho como se alguma pessoa estivesse tentando abrir uma embalagem, olhei para o lado, era a minha vizinha de poltrona tentando abrir uma bala, mas suas unhas excessivamente compridas a atrapalhavam nesta difícil tarefa, pois a bala era muito pequena diante daquelas enormes espadas vermelhas. Voltei a olhar para a estrada, mas continuava a ouvir aquele barulhinho, era uma situação um tanto quanto engraçada. Algum tempo se passou e finalmente o barulhinho cessou, pensei comigo mesmo: "Que luta, hein?! Como a busca pela 'beleza' é capaz de transformar uma tarefa tão simples literalmente em uma peleja". Foi então que a situação começou a perder a graça. De início era só mais um barulhinho como o da embalagem sendo aberta, só que este se parecia mais com o barulho de um botão daqueles que a gente fecha apertando, mas em meio a todo aquele silêncio o ruído foi se transformando em um estrondo, como se fosse um bate-estacas. Fiquei prestando atenção para ver se descobria de onde ele vinha. Era a bala que aquela senhora estava chupando, ela não a deixava quieta, fazia com que rodasse a boca toda e ficasse batendo nos seus dentes, eles eram as "estacas". É o tipo de coisa que normalmente a gente deixa para lá, nem presta atenção, mas no contexto em que eu estava não havia como não ouvir. Mesmo assim, deixei para lá, uma hora aquela bala iria acabar mesmo.

Passados uns 10 minutos, o silêncio voltou a reinar. A bala acabou, eu sabia, e nem demorou muito. Não demorou muito também para eu começar a ouvir novamente o barulhinho da embalagem de mais uma bala sendo aberta. Mais 10 minutinhos daquele barulho chato da bala batendo nos dentes? Dá para aguentar, passa rápido, tiro de letra. Só que não foi bem assim, não passou tão rápido, pois agora o bate-estacas se intercalava com uma pistola de rebite. Cada vez que a bala era pressionada no céu da boca e chupada, a língua produzia um som como um tiro ao se desgrudar de lá, era o vácuo que se formava. Estes 10 minutos foram mais longos que os primeiros. Então, aquela mão com longas unhas vermelhas se enfiou na bolsa e sacou mais uma bala, depois outra, e mais outra. Acho que ela tinha um saco de balas lá dentro. Sempre que eu achava que estava acabando, ela abria outra e enfiava na boca, cada vez com mais destreza. Parecia que ela havia aprendido um macete para abrir as embalagens, as unhas não atrapalhavam mais.

Aquilo estava virando uma tortura, mas eu não podia mudar de assento, muito menos sair do ônibus. Deu vontade de tomar o saco dela e jogar pela janela, mas os ônibus de hoje em dia não têm janela. Depois deu vontade de jogar aquela mulher pela janela, mas os ônibus de hoje em dia não têm janela. Deu até vontade de pular pela janela, mas os ônibus de hoje em dia não têm janela.

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