UM HACKER PODE INCENDIAR AS NUVENS?
Conversava com minha amiga, a psicóloga Mara Lutz. O assunto era o uso de dados na internet, o armazenamento dos nossos trabalhos nas nuvens.
"Nas nuvens". Onde ficam estas nuvens?
Para mim, estas nuvens sempre foram inalcançáveis. Quando criança um dos grandes objetivos do pandorguista (o soltador de pandorgas), aquelas pipas enormes e coloridas ou mesmo as pequenas em formato de cruz, os pentágonos, as estrelas, todas elas lindas, verdadeiras obras de arte; o grande objetivo, como dizia, era ver o tal papagaio sumir nas nuvens.
Os meninos contavam papos:
- Outro dia (sabe aquela pandorga verde?), soltei linha que ela sumiu na nuvem.
- Sei não! Todo mundo pensava.
Era como as estórias de pescarias dos adultos. Nós tínhamos os nossos peixes: as pandorgas.
As mentiras, se não causam prejuízo, são as mais engraçadas estórias que se pode contar, sejam de pandorgas ou de peixes. O mentiroso encenando uma história mirabolante, todo mundo desconfiado, alguns acreditando, mas o povo todo dando risada. E o Pinóquio, com aquela cara de pau, divertindo-se e divertindo os outros.
A Mara afirmava que não tinha confiança em deixar os documentos nas nuvens. Eu concordava, documento para mim é papel, com cheiro de papel, que a gente pega e amassa e depois até pode deixar novinho em folha com um ferro quente e, suprema segurança, enfiar num confre e perder a chave.
Os tais e-books, os livros eletrônicos, tudo isso pode ser uma farsa. Não são confiáveis, não ficam nas nossas mãos. Na verdade, não sabemos de onde vem e nem tampouco onde estão. O que se diz é que estão nas nuvens, étereas, passageiras e fugidias.
- E se entra um hacker de mal juízo e apaga tudo o que está nas nuvens?
- Bem, se dá para entrar eu não sei. É que tudo o que um ser humano imaginar é ou será possível. Coisas difíceis de acreditar como, por exemplo: será que o homem realmente pisou na Lua?
Meu avô achava que não. A gente até achava graça de tamanha mineirice do baiano.
Uma coisa é certa: se um hacker entrar nas nuvens e destruir toda a nossa biblioteca isso não será novidade, já aconteceu.
- Conhece o Anre Ibne Alas? O cara foi um hacker do mal. Tudo bem que recebesse as ordens do Califa Omar.
Quando Alexandre morreu deixou seu Império por conta dos generais, Seleuco, Lisímaco, Cassandro e Ptolomeu.
Esse tal Ptolomeu era um sujeito que amava a cultura helênica, mandou construir um centro de pesquisas e nele estava a famosa Biblioteca de Alexandria. O acervo é calculado entre trinta e setecentos mil volumes.
Sabe lá o que é isso? Leríamos obras originais de Sócrates, sem precisar conhecer o pensamento do grande filósofo por tabela, pelos textos do Platão. Documentos religiosos que melhor explicariam as crenças egípcias e mesopotâmicas. Pesquisas de Astronomia, Medicina, Matemática. Talvez pudéssemos saber como se construíam as pirâmides.
Voltando ao camarada Anre: ele era o governador do Egito em meados do Século VII. Alexandria, a cidade egípcia, tinha orgulho da maior biblioteca pública da qual já se teve conhecimento na história da humanidade.
Pois é, seguindo as ordens do Califa, Anre Ibne Alas tacou fogo na Biblioteca de Alexandria. Cara, eu morrerei duas vezes: uma que já morri, quando soube do incêndio; a outra é a que vem por aí, espero que bem distante.
Gosto de livros, quem mata um livro diminui a humanidade. Não é à toa que medievais e a turma do Adolf, o alemão tresloucado, queimavam livros. Gente do mal.
Por isso ficou o costume. Quando alguém faz uma coisa muito doida, a gente exclama:
- Alas! É o tal do Anre Ibne ALAS.
O sujeito diz: Bati o carro, acabou todo. O outro responde: Alas!
- Será?
- Esquece, fica por conta do bom humor.
- Mara, o Anre Ibne Alas foi o primeiro hacker da história da humanidade, destruiu todos os arquivos que continham milhares de dias com sabedoria, milhões de horas de informações que a gente não encontra nem no Google. O cara entrou na Biblioteca e tacou fogo em tudo.
Pois é, a suspeita de que um hacker— doido possa apagar as nuvens, e com elas os nossos livros, não deve ser considerada infundada, coisa de um desconfiado sul-mato-grossense.
O perigo é real!