A conta
Em muitos procedimentos sociais o ser humano se depara com contas a pagar, a vida humana é permeada de contas a pagar.
Se levarmos essa máxima para todos os âmbitos da vida - seja social, amorosa, trabalhista, consumerista, familiar - nos deparamos com a seguinte premissa: ao decidir se envolver em algo, se inicia o procedimento contábil, um dia a conta será cobrada.
A inadimplência se figura no momento em que a conta chega, mas não é paga. No entanto, há algo pior, mais complexo do que pagar ou não pagar a dívida, o postergar.
Um bom exemplo disso é o cartão de crédito, a conta chega, a fatura é alta, assim paga-se apenas o mínimo e posterga a dívida.
A curto prazo, há a sensação de que está tudo sob controle, por vezes até sobra dinheiro, o que fornece uma sensação de conforto, mas, a longo prazo, o que era conforto se torna tormento, a conta aumenta a um ponto insuportável.
Algumas pessoas usam esse subterfúgio para ganhar tempo e negociar o débito, por vezes consegue, mas não é regra.
Em outros momentos, não há negociação, é quando começam os questionamentos:
Eu não sabia que era tudo isso!
Como deixei chegar a esse ponto?
Mas estava tudo sob controle até ontem!
O que vou fazer da minha vida agora?
A surpresa é natural nesses casos, pois o que se imagina, ao postergar a dívida, é que algo possa acontecer para alterar os fatos, um milagre, só que esse milagre não chega, a conta tem que ser paga.
Isso ocorre não só na área consumerista, leva-se esse postergar para todos os âmbitos sociais, sempre com a mesma intenção, não pagar a conta.
Você inicia em um emprego indesejado na intenção de ir levando até encontrar “coisa melhor”, mas o tempo passa e, se for um profissional responsável, irá se envolver naquele trabalho. Irá se dedicar até não encontrar meios de buscar essa “coisa melhor”.
A fadiga chega, a insatisfação profissional aflora e o romper desse ciclo se torna uma conta cara, pois inúmeras outras situações foram criadas e são sustentadas pelo emprego indesejado, mas essa conta precisa ser paga de um jeito ou de outro.
Quanto mais se postergar essa conta, mais difícil será a solução e mais complexas as consequências.
Em outro caso, inicia-se um relacionamento cuja probabilidade de dar errado é fatal, mas imagina-se que casando muda, com o tempo melhora, com paciência tudo se resolve, será?
A conta também chega, a paciência acaba, a empatia se dissolve, a mudança não acontece, os problemas se agravam, envolve patrimônio, filhos, sociedade, status, a conta aumenta, os juros ficam altos e pagar a dívida se torna inevitável.
As pessoas se perguntam por que os relacionamentos não duram hoje em dia como duravam antigamente.
Enumero algumas razões: precipitação, intolerância e indisposição para arcar com as consequências daquela escolha. Unindo essas razões à falta de sentimento verdadeiro, manter o relacionamento se torna impossível.
A diferença é que postergar uma dívida na área consumerista ou trabalhista, aumentando o risco e o valor da conta a ser paga, só envolve patrimônio, renda ou a fúria momentânea da empresa com a qual houve o rompimento do vínculo.
As contas podem ser altas, mas são passíveis de serem pagas, desde que haja disciplina, definição de prioridades, determinação e objetivos claros.
Já no campo do relacionamento amoroso ou familiar postergar uma decisão na esperança de que algum milagre aconteça, levando em banho maria um relacionamento sem possibilidade de futuro por variados motivos externos, ocasiona ainda mais sofrimento, pois com o passar do tempo, envolve-se mais fatores, mais pessoas, mais sentimentos e expectativas, o fato de não expor o problema enfrentando de frente as consequências desse embate, faz com que a conta se torne ainda mais alta e o rompimento causará prejuízo a todos os envolvidos direta ou indiretamente.
Esperar mudanças na intenção de que dê certo só provoca ainda mais pressão sobre o fato, fazendo com que a culpa pela não ocorrência da mudança recaia sobre o relacionamento como uma bomba, destruindo tudo o que encontrar, além de se impingir questionamentos infindáveis.
Se não estava certo do que queria, por que levou adiante?
Como, depois de tanto tempo, você diz que não dá mais?
Olha tudo o que vivemos, vai mesmo abrir mão?
Por que não disse que não estava bem no relacionamento, poderíamos ter mudado antes!
Não jogue fora tudo que foi conquistado!
Diante de tantas questões e de tantos envolvimentos alheios à sua vontade, postergar ainda mais a decisão para que não seja taxado como o grande vilão da história, aquele que não pesou as consequências de seus atos, o irresponsável, o manipulador, o que não pensa no próximo, não vai impedir que a conta chegue.
Pelo contrário, a conta aumenta ainda mais!
Anexam-se juros de mora, multa etc., até que se torna insuportável o fardo, manter-se naquela situação resta inviável.
Neste momento, o rompimento será uma tragédia grega ou uma novela mexicana, tudo será mais intenso, a mágoa será maior, a culpa recairá inteiramente sobre quem decidiu romper o ciclo e essa conta não pode ser parcelada.
Muitos, ao romper esse ciclo, se deparam com a seguinte situação: a conta é alta demais, não há como suportar o preço, ou ponderam - consideram que voltar ao ciclo é menos traumático, pensam ser a melhor solução, quando, na verdade, param de pagar uma conta em curto prazo para arcar com outra muito maior a médio e longo prazos, pagou-se o mínimo do cartão da vida, a conta chegará e terá que pagar o preço novamente, só que o valor muda, a conta nesse momento é muito maior.
As razões para o término anterior voltam de várias formas, outras situações ocorrem e percebe-se que não valeu a pena voltar à zona de conforto, porque o conforto é simplesmente uma utopia.
Concluindo, a conta sempre chega, resta escolher entre enfrentá-la de cara e arcar com as consequências disso ou postergar o pagamento e triplicar o valor do débito.
Só deve-se lembrar de que um dia terá que pagar a dívida!
Quanto está disposto a perder?