UM PÁSSARO SEM ASAS QUE VOA ALÉM-MAR

Somente poucos e bem poucos mesmo olham os lírios do campo e como eles vicejam maravilhosos neste mundo turbulento. Entre os homens, apenas os poetas se concedem o prazer dessa contemplação, posto que sensíveis e coadjuvantes dos devaneios. São eles os únicos a se enternecer com uma pétala arrancada de alguma flor e jogada ao 7desprezo do barro. E chorar. Porque os poetas choram e riem como qualquer criança faz espontaneamente. Contudo, o poeta não é apenas um ser humano encantado com tudo, até mesmo com a melancolia de onde ele faz brotar os mais lindos poemas, por vezes. É um anjo de luz, um ser encantado condutor de sentimentos, um semeador da fantasia mais cândida. O poeta é um sopro de embevecimento para a humanidade, é aquele consolo enternecedor que transforma a aspereza da vida em fragmentos de veludo. Como uma gota de colírio n’alma. Ele se encontra muito além das mazelas cotidiana dos homens porquanto tem os pés nos devaneios e moradia nas nuvens. E obteve da natureza a dádiva de ouvir e sentir muito além dos mortais comuns. Tanto que Bilac, como em frenesi, escutava as estrelas.

A mente do poeta é um poço sem fundo de sonhos. Quando muitos choram desolados, ele pode até mesmo sorrir por compreender a dor, por amá-la como sua companhia constante. O sofrer não é via de mão dupla para ele, que caminha sobre a amargura da mesma forma como deixa passadas sobre a alegria passageira; adormece abraçado às madrugadas como igualmente se enamora da noite; deixa-se empolgar com o gorgeio dos pássaros ou guia-se pelo brilho vivo dos olhos femininos, como pára ante a rosa em destaque no jardim e permanece com os olhos fitos nela como se temporariamente estivesse petrificado, embora esteja somente quedo pelo indizível prazer de contemplá-la e sentir-lhe o perfume. Mas é certo que o poeta sofre – e clama só, na solidão do seu eu desencantado por instante - e entra, a um só tempo, em maravilhoso transe e inigualável alquimia com a realidade. Ele tanto pode surpreender-se todo feliz ante o desabrochar da flor quanto gritar impropérios contra a impunidade e a injustiça. O bardo não tem meias palavras, não é apenas bom entendedor, mas aquele que penetra no âmago das questões e se aprofunda. Vai fundo em seus ensejos e viaja no universo do tudo sem ao menos dar um passo... é levado pela velocidade de seus versos e transportado pelas asas da imaginação profícua.

Nunca subestime esse lavrador dos sonhos e artista das letras. Até as pedras saem apressadas das veredas para dar passagem aos poetas, deixando espaço para eles alcançarem o colimado. Ao vê-lo em silêncio, os olhos cerrados por momentos ou fitos demoradamente nalgum ponto circunstante não se surpreenda, ele está gerando a poesia, sublime ato de criação tão próprio dele. É bem ali, no mais recôndito de seu coração, que o poeta vagueia quase displicente como um menino irrequieto que brinca com o faz de contas. Mas se as lágrimas surgem repentinas molhando suas faces e desaguando em seus lábios contorcidos, não se angustie, deixe-o em paz: ele está feliz e contaminado pelo cheiro das flores pejadas de beijos trocados com os beija-flores em transe frenético. Conquanto em lágrimas, se o observar atentamente perceberá que ele está em êxtase, que se dá por feliz por estar em comunhão com a exuberância da vida e dela fazer parte como uma expressão que também viceja e pulsa no complexo universo da existência. O poeta está, desse modo, como que vagando dentro de si mesmo talvez buscando o imponderável, provavelmente desejando o impossível para o comum dos mortais insensíveis mas não para ele, que é sonhador. Decerto anseia mergulhar no luar e deixar-se envolver pela amplitude do seu brilho, quiçá opte por aquecer a paixão no esplendor do sol ou iluminar seus versos com a poética das estrelas, ou então verseja para o recôndito da própria alma. Assim, feito uma criança sapeca. Porque o poeta é assim mesmo, um inesperado, um pássaro sem asa que voa além-mar, uma notável surpresa a todo instante.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 22/12/2007
Reeditado em 26/10/2021
Código do texto: T788382
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