1ª entrevista de emprego
Tinha saído do interior do Paraná para se formar em processamento de dados numa universidade de São Paulo. Morava numa pensão onde o banheiro era comunitário. Não era muito confortável, mas era o que os bicos que ele fazia concertando computadores de antigos colegas da faculdade, com quem ainda mantinha contato, podia pagar (será?). Como não tinha intenção de voltar para sua cidade, tinha que procurar um emprego.
Naquela noite não conseguia dormir. Também não fazia força. A ansiedade era a palavra do momento. Dia seguinte teria sua primeira entrevista de emprego. Pensava no horário: não podia atrasar nem um minuto. Pensava na roupa: Apresentação era tudo. Não que o conteúdo não fosse importante, mas se nem psicólogos conhecem bem uma pessoa depois de uma sessão onde esta vai para falar do conteúdo, quanto mais um agente de RH em uma entrevista de emprego onde a pessoa tenta vender um potencial excelente funcionário.
Uma secretária lhe abriu uma porta e estendendo a mão lhe mostrou uma cadeira simples no centro de uma sala grande onde ao fundo, numa grande mesa, sentava-se ao centro, numa cadeira de Presidente, um Agente de RH, com duas pessoas, que pareciam assistentes, sentadas uma de cada lado com algumas pilhas de fichas. Uma delas passou uma destas fichas para o Agente de RH e ele olhou com calma e por cima da ficha observou o rapaz de cima a baixo. O único terno, um cinza, e uma camisa branca com a gravata azul marinho poderia não ser a melhor escolha desde que ele tivesse alguma escolha. Pelo menos estava bem passado. O Agente de RH apontou a cadeira, visto que o rapaz ainda estava em pé ao lado, meio indeciso. Sentou.
-Qual a sua experiência?
-Nunca trabalhei, mas tenho muita disposição...
-Sim, mas dispomos de UMA vaga...
-Eu acredito no meu potencial (Eu não preciso de duas... é só de UMA mesmo... – talvez esta resposta pudesse parecer um deboche ao invés de mostrar uma autoconfiança)
-Qual o seu potencial?
-Do que vocês precisam?
-O entrevistado aqui é o senhor.
-Me desculpe, mas quando disse potencial abriu demais o leque. Tenho potencial para ser um bom funcionário e com vontade para crescer e me desenvolver. Sabendo o que vocês esperam, poderia ver melhor onde meu potencial melhor se enquadraria... (será que consertei?)
-Hum... Sei. O que te motivou a vir para esta entrevista de emprego? - Pensei em responder que era “o emprego, né, ô Zé Mané”, mas talvez respostas óbvias para perguntas infantis pudessem interferir na escolha.
-Ser uma empresa grande, onde terei chances de crescer.
-Não informamos o salário. Qual a sua pretensão? - Eu sabia que teria esta pergunta: uma tremenda armadilha: se respondo pouco eles não me dão valor, se repondo muito, eles me descartam pela minha expectativa.
-Esperava antes conhecer na entrevista os benefícios, como plano de saúde e vale alimentação, por exemplo...
-Sim nós temos um plano de saúde de entrada e um vale razoável, mas e sua expectativa de salário? – Repetiu a pergunta, meio impaciente.
-Ok, minha expectativa seria algo em torno de R$ 5.000,00. – fiquei olhando para ver se descobria na fisionomia do Agente de RH ou dos seus assistentes alguma pista do que eles tinham achado. Não precisei ficar investigando fisionomias. A resposta veio rápido:
-O senhor é bem audacioso hein?!
-No anúncio vocês buscavam jovem formado, com espírito empreendedor conhecedor dos programas do office, sistemas de amortização, facilidade em planilhas e linguagem SQL, com inglês fluente, com responsabilidade, disciplina e com vontade de crescer. Digamos assim que, para ter estes atributos, o candidato já deva ter parte do crescimento bem resolvido. Não acha?
-Bom... Veja... Mas o mercado... - Eu não gostei: A muleta do Mercado serve para nos jogar na cara o velho “se não quer, tem quem quer.”
-Foi por isto que apresentei uma expectativa baixa. Quanto ao mercado, acredito que são as empresas que fazem o mercado. Esta empresa quer ser mais uma? Ou quer ser referência no mercado? - Será que tinha ido fundo de mais?
-Já somos uma referência no mercado. – Sim eu tinha ido fundo demais: Vi na fisionomia dele que eu não tinha sido muito feliz na minha tréplica.
-Por isto minha expectativa de salário.
-Para iniciantes o salário é de R$2.500,00, podendo passar para R$3.000,00 após o período de experiência de 3 meses...
Ele não conseguiu disfarçar o desconforto ao informar o salário, pois da minha parte procurei fazer uma cara de quem estava medindo o tamanho da empresa – “referência no mercado” – sei... Eu começava a perceber que não tinha sido muito feliz nas escolhas das minhas respostas, dando um adeus a chance de colocar o aluguel em dia entre tantas contas que se acumulavam.
-Estou disposto a aprender e crescer...
-Mas e sua expectativa de salário?
Parecia querer humilhar.
-Talvez tenha que ser mais prático no momento e ver a realidade do mercado.
-Então se, no futuro, após ter adquirido experiência conosco, outra empresa lhe oferecesse um salário maior, você sairia da nossa empresa? - Eu não entendia bem aonde ele queria chegar. Estaria ele disposto a ter uma discussão e me demitir antes mesmo de me admitir? Fiquei com vontade de retribuir o seu “-Bom... Veja... Mas o mercado...” usando a mesma entonação para ele perceber, mas me segurei.
-Isto seria uma hipótese para ser discutida com um funcionário. Acredito que, como referência no mercado, outros aspectos pesariam numa decisão. – Tentei parecer o mais honesto possível e ao citar “referência no mercado”, buscando uma entonação que soasse como uma verdadeira fé, inabalável, intrínseca dos meus valores mais íntimos.
-Quais aspectos? - O cara era muito chato! Para tentar fugir de uma pergunta chata hipotética eu tinha dado uma resposta geral e ele queria que eu desmembrasse em minúcias!
-A perspectiva de crescimento e o relacionamento interpessoal construído aqui na empresa poderiam pesar muito nas decisões que por muitas vezes fazem o financeiro ficar em segundo plano.
-O senhor me parece muito articulado... - Não conseguia identificar se o comentário era um elogio ou uma ofensa onde o “articulado” seria esperto, no mau sentido, com o uso das palavras.
-Isto é bom para o emprego? – Falei para dar ao ar um toque mais leve
-Não está entre os pré-requisitos... - A resposta seca me fez sentir que o articulado era uma ofensa e tornou o ar pesado. Aí já era demais. Será que havia alguma câmera escondida? Estaria eu passando por uma pegadinha? Sempre ouvi falar que engolir sapos faz parte da dieta corporativa de um funcionário estável de sucesso, mas nem empregado eu estava.
-Olha, na sala de espera tem outros candidatos e talvez eu esteja tomando o seu tempo, que não deve valer nada mesmo, mas também o deles que se arrumaram, devem estar nervosos e provavelmente não tiveram uma noite tranquila. O deles é importante, pois poderiam estar procurando em outro lugar onde fossem tratados com um mínimo de respeito. Sendo assim EU ME DEMITO! - Gritei bem alto para que pudesse ser ouvido pelos outros candidatos que estavam na espera: eles nunca saberiam se era um candidato ou empregado e caso o Agente de RH quisesse explicar que era um candidato, teria que explicar o porquê do “EU ME DEMITO!”.
Talvez não tenha sido a melhor coisa que ele fez: o senhorio iria bater na sua porta e ele teria que tentar enrolar mais um pouco, pois não tinha como pagar o aluguel, já atrasado, mas falando falando em coisas impagáveis, curtiu o prazer do susto e espanto na cara do Agente de RH.