Qual a culpa que te ocupa?

O ser humano deveria mudar de nome, CULPADO cairia como uma luva ao tipo.

Desde o nascimento, carrega a culpa pelo pecado original, por não ser menino ou menina - de acordo com o gosto dos pais -, por acabar com a vida desses, que a partir de seu nascimento viverão exclusivamente para ele.

Em tenra idade, acumula ainda a culpa pela separação da família, pelo abandono de um ou ambos os genitores, pelo abuso ou violência sofridos, pelo desespero dos responsáveis que não conseguem colocar comida na mesa, até mesmo por fazer xixi na cama quando tem pesadelo.

Maiores um pouco, vem a culpa por não gostar de estudar ou por estudar demais, por gostar de boneca ou carrinho, quando tal comportamento não se encaixa em seu gênero, pela não obediência às ordens, por ser criança.

Na adolescência, perpetua as culpas acumuladas até então e adiciona ainda a culpa por se descobrir gay, hétero, assexuado, bissexual e o escambal, por não pensar nas consequências que suas escolhas terão na vida das outras pessoas, pelo egoísmo próprio da idade, por mais abusos e agressões, por não querer ser o que foi planejado para si, por descobrir que seus pais não são heróis, pela primeira de muitas decepções.

As culpas que o ocupa podem ser, por muitos, consideradas vitimização; por outros, merecidas; por poucos, entendidas; e, por ninguém, exterminadas.

Na fase adulta, as culpas o corrói, a muitos paralisam, a outros subjugam, a poucos são subjugadas.

O fato de se viver em sociedade, por si só, impinge ao ser humano a obrigação de se culpar como uma forma de controle social, quanto mais culpado se sente mais controlado e subjugado é.

Todos querem ser aceitos, fazer parte de algo maior que dê sentido à vida, mesmo que este algo maior sirva apenas para destruir sua alma.

De quantas culpas se ocupa mesmo não tendo culpa? Quanto tempo é perdido por medo de se culpar? Já é culpa demais, para que mais?!

A vida passa, mas as culpas não, muitas transformam-se em raiva, desprezo, desespero, algumas a gente nem sabe de onde veio, outras é melhor deixar quieto, mas todas definem a personalidade do ser, como se relaciona, como pensa.

Por mais que se diga, “não é e não foi culpa sua”, já está internalizada, não tem como ser tirada.

A sedimentação, até inconsciente, das culpas acumuladas por toda a vida traz ainda mais culpa por fazer com que o ser humano transforme seu modo de ver e viver a vida, o que em muitos casos não é exatamente como as pessoas com as quais convive definem como “certo”.

O afastamento nessas situações é frequente. Forçar a convivência com essas pessoas é obrigá-las a aceitar o inaceitável, então, como punição a si e livramento aos outros, mantê-los distantes se torna necessário.

Alivia-se a culpa por isso? Pelo contrário!

A cobrança pelo afastamento, a rejeição das pessoas por você não fazer parte do meio, a desistência ou a persistência das pessoas, tudo piora a situação.

A pergunta que não quer calar: e porque não muda? A resposta: existem culpas que não podem ser simplesmente esquecidas, não dá para “seguir em frente e crescer”, assim como não dá para mudar quem se é. Não é tão simples assim.

Não há quem não se sinta culpado por algo que não fez, não há quem não morrerá desejando confessar um pecado, mesmo que não seja seu.