DOIS AMORES (FINAL)
Ele sabia, pelo hábito, que a chegada da mãe, o beijo de boa noite e sua saída do quarto, mergulhando-o novamente na dolorosa solidão, no inevitável abandono, não duraria mais do que alguns segundos; ele desejava, então, retardá-lo o mais possível para, assim, adiar também o sofrimento que se seguiria àquele momento de júbilo.
E posso imaginá-lo vendo-a partir, querendo chamá-la, pedir-lhe mais um beijo, só mais um. Mas a voz para-lhe na garganta, incapaz de expressar-se, tanto pela emoção, como pelo medo da resposta, certamente negativa, pois aquilo irritaria seu pai, “que achava esses ritos absurdos, e ela, que tanto desejaria fazer-me perder a necessidade e o hábito daquilo, longe estava de deixar-me adquirir o novo costume de pedir-lhe, quando já se achava com o pé no limiar da porta um beijo a mais.”
Esse beijo a mais, essa multiplicação da felicidade, que seria a concretização do sonho maior da criança, um curto momento de prazer duplicado, a emoção redobrada, a tão merecida recompensa de um dia inteiro de espera, esse momento único, imprescindível para o garoto era considerado, pelo pai, um simples hábito – um mau hábito – que logo deveria ser, se não extirpado, pelo menos desestimulado, por absurdo que era. O que para ele era essencial, como o ar e a água que garantem a vida, para os outros era apenas um costume incômodo, um defeito a ser corrigido.
Ver a mãe aborrecida poderia estragar todo o prazer do beijo que ainda pairava sobre sua face; não, não poderia incomodá-la, sob pena de ver-se privado para sempre desse único prazer, soberana e inevitavelmente necessário. Então, calava-se e adormecia.