DOIS AMORES (2)

Ao ler pela segunda vez, então com mais vagar, e, principalmente, com a atenção despertada por uma frase do Prefácio, pude perceber e compreender o traço de união, ou melhor ainda, a profunda identificação entre os dois personagens principais desse primeiro volume, no tocante à dor de amor que ambos vivenciaram: a criança que costumava passar o feriado de Páscoa na cidadezinha de Combray, que sofria terrivelmente a ausência noturna da mãe adorada e o personagem Swann citado acima.

Ironicamente, o personagem Swann era o responsável pelos sofrimentos da criança, pois, sendo praticamente a única pessoa a visitar sua família nessa temporada que passavam em Combray, suas visitas costumavam estender-se até tarde, depois do jantar, o que, muitas vezes impossibilitava à mãe comparecer ao quarto do garoto para o beijo de boa noite, lançando-o nos mais cruéis sofrimentos de carência e desespero.

Enquanto leio, compungida, aquelas páginas – que retratam tão fielmente a dor, a sensação de abandono, o profundo amor e a necessidade que aquele menino tinha de sua mãe, os momentos que antecedem a ida dela ao quarto, para o único beijo de boa noite – imagino-o, franzino, minúsculo, deitado numa enorme cama que mais realçava sua pequenez, num espaçoso quarto, como imagino deviam ser os daquelas casas de campo das cidadezinhas da França do século XIX.

(continua)