Superficialidade
Certa vez, ouvi alguém dizer que meu mal era ser superficial. Essa frase permaneceu em minha mente por muito tempo, acredito que como uma tentativa inconsciente de descobrir até que ponto essa pessoa estava certa sobre mim.
Nessa busca inconsciente pelo significado dessa frase, revelações pessoais me ocorreram, revelando um padrão de personalidade autodestrutivo protetivo que será objeto de outra Digressão.
Em muitos momentos, por medo de ser feliz, nos tornamos superficiais em nossos relacionamentos, seja qual for. A superficialidade se torna um meio para um fim.
Na maior parte das vezes, provocamos um fim indesejado, nos sabotamos para torna-lo mais tolerável do que se tivesse ocorrido naturalmente.
A desconfiança no outro, a insegurança emocional, o medo de perder, o orgulho, são combustíveis para a criação de um perfil psicológico muito peculiar.
Essas características unidas em um único ser o torna superficial e autodestrutivo, capaz de afastar tudo o que ama pelo simples medo de perder.
É como se uma voz lhe dissesse para terminar antes que termine, não se deixar envolver para não sofrer, se envolver o mínimo possível para ser mais fácil sair da situação.
Esse perfil psicológico é forjado na infância.
Fatores externos aliados a uma personalidade em formação fazem com que o indivíduo desenvolva a necessidade de se proteger, a mania de ver sempre o pior nas outras pessoas, a esperar pela decepção, pela perda.
O pensamento se volta para dentro de si.
Refuta-se tudo o que as outras pessoas têm a oferecer pelo simples fato de considerar que o oferecimento é um subterfúgio para atingir um objetivo maior e você é apenas um objeto para o alcance disso.
Os laços são criados de forma superficial para que jamais se tornem nós, assim fica mais fácil desatá-los.
O comprometimento com algo ou alguém se torna quase impraticável. Furta-se a todo contato mais íntimo, intenso, revelador.
A superficialidade é como uma água turva, vê-se o início, mas não o fim. Ninguém sabe realmente qual será o fim antes de passar por ele.
A superficialidade e o orgulho se tornam armas poderosas nesse embate emocional, justificam os atos praticados, dão sentido às coisas, mesmo que não seja o sentido mais correto, é o mais acertado para o momento.
As consequências são inúmeras, entra-se em relacionamentos vazios para não se envolver.
Quando se permite apaixonar, logo encontra um meio de boicotar o próprio sentimento para não correr o risco de sofrer, mesmo não estando sofrendo no momento.
Mantém-se as pessoas em distâncias seguras, deixando de criar ligações verdadeiras.
Quando se vê subjugado ou ameaçado, a primeira ação é o ataque, por mais que não queira, precisa atacar para se defender.
A solidão é a melhor companhia.
Antecipa atos por medo de ser surpreendido por eles.
Caso o arrependimento surja, o orgulho entra em cena e proíbe qualquer ação que possa fugir a regra de se manter seguro em si mesmo.
Depois de toda essa análise, percebi que a pessoa que disse que meu defeito é ser superficial não tinha noção do significado daquela frase, mas mesmo assim ela está certa.
Ela só não sabe que meu mal é mais profundo do que se pode imaginar.
A minha superficialidade é de uma profundidade absurda e por mais que tente me livrar dela sinto que perderia minha própria identidade.
Então recuo e assim vou vivendo entre enganos e desenganos, medos e pavores, sentimentos e ignorância.
Não sabe ela com quem se meteu e o que despertou!