SE APARECER

Francisco de Paula Melo Aguiar

Se aparecer será diminuído por quem não apareceu e ou se perdeu na sombra da multidão.

Uma certa vez era dia de eleição e um candidato a vereador "eleito" por antecipação foi para barraca da esquina tomar água que passarinho não bebe para equilibrar o corpo trêmulo. Bebeu e discursou demais, uma espécie de comemoração da vitória por antecipação. Misturou-se com o povão, seus ex-colegas do grupo escolar, da pelada do bairro que quebrava as telhas e vidraças das janelas das casas. E se não bastasse os colegas da fábrica onde trabalhava. Entre uma levantada de copo e um gole de incha pé, um discurso efervescente como Coca-Cola em carne verde.

O candidato tinha esposa, dez filhos, pais, oito irmãos e cunhados, amigos e colegas a perder de vista.

E até porque o cara era boa gente bêbado ou não, educado e fazedor de favor.

E o horário de votar foi passando, aí chegou às dezessete horas e ele não compareceu a seção eleitoral para votar.

Não votou porque perdeu a hora de votar.

E continuava a autoproclamar-se eleito e sabia que seria o mais votado naquele pleito.

Naquele tempo a apuração da eleição para todos os cargos era manual, processo lento e arcaico eivado de verdades para quem ganhava a eleição e de mentiras ou roubos para quem perdia a eleição.

Um Deus nos acuda, pior milhões de vezes do que a apuração in loco das urnas atualmente.

E quando terminou a apuração das urnas não apareceu um só voto para o candidato que não compareceu para votar nele mesmo, pois, nem a esposa, pais, sogros, filhos, cunhados, compadres, tios, primos, amigos e colegas, etc, se lembraram do número dele na hora de votar.

É o danado do egocentrismo que depõe em número, verso e prosa enquanto instrumento divergente da visão de si e do mundo em seu entorno.

Isso é fato, quem aparece demais antes do tempo é semelhante a comida insossa diante da falta de sal, apesar de ser a mercadoria de menor preço, porém de grande valor.