O OUTRO LADO DA CRIA
A grande contrapartida de envelhecer é ver os filhos crescendo. Esta constatação reflete muito mais que o óbvio. É como se a vida nos sussurrasse no ouvido algo assim: - Tá bom, tá bom, vou te arrancar muitos anos da sua vida e em troca lhe darei a oportunidade de ver seus frutos se preparando pra voar e, no ato seguinte, voar de fato. Nossos filhos são ecos da gente. Dos nossos sentimentos, entendimentos, visão das coisas, caráter, rebarbas, derrapadas... Eles traduzem o que o nossa alma é, com suas praias dóceis, suas abas inflamadas, seus recheios mais profundos. Nossos filhos são bem mais do que uma gota de sêmen deflagrando um útero sedento por vida. - OK, calma lá...Eles têm seu livre arbítrio. Podem desdizer tudo o que aprenderam, podem anarquizar cada trago de entendimento que engoliram, podem fazer o que bem entenderem da sua própria história. Se quiserem, negarão cada herança a eles destinada, jogando-a num lixo qualquer e não darão menor bola pra isso. Este dilema faz parte do jogo, do show. Mas de uma coisa nunca poderão se desfazer - querendo ou não: nas veias deles correrá sempre um sangue que já fez outros corações baterem, o nosso, inclusive. Talvez justamente por isso que seus corações nunca estarão solitários de vez. À cada batida, outro coração responderá no mesmo tom, no mesmo calor, na mesma luz. E na mesma dimensão de amor, cuidado e carinho com fôlego do tamanho de todos os universos que existem, existiram e existirão. Sabe lá Deus até quando.