Sacrifício

“Toda nossa tradição espiritual ocidental é baseada no sofrimento, ‘Deus se deleita quando vê os homens sofrendo’, por isso que as pessoas religiosas, quando vão fazer promessas, o que é que elas prometem a Deus? Elas poderiam prometer, ‘Senhor, se me concederes essa bênção, eu prometo que todos os dias às 6 horas da tarde vou lhe ler um poema de Fernando Pessoa’, mas ninguém oferece coisa boa pra Deus, oferece o que? Subir 400 degraus de joelhos, a idéia é de que Deus é sádico, que ele fica feliz quando a gente sofre… e isso é uma coisa tão horrível”. Porque nas escrituras sagradas está escrito que Deus criou um jardim de delícias, nós fomos criados para a felicidade”.

Rubem Alves, a Antonio Abujamra no programa “Provocações” (513)

O ilustre poeta levantou uma questão que merece toda a atenção. As religiões em sua maioria instituem meios de barganha e agradecimento junto a seus deuses e divindades, que além de inócuas revelam o sentido sádico de suas realizações. A oferta, a promessa, o preceito, o sacrifício, dentre outros, todos com o intuito de pagar pela benção que veio ou que virá.

Quando se decide entrar para uma religião ou quando se deseja algo dela, é preciso sacrificar algo seu para ser atendido ou aceito.

Pensa-se logo: vou pedir aos Santos, a Deus, aos Orixás, aos Guias, a Cristo, ele(s) vai(ão) me atender e em troca, entregarei algo importante para mim ou para quem estou direcionando meu pedido.

Seja uma cura, um emprego, um casamento, o pedido pouco importa, o que vale é o que se dará em troca.

Para tanto, oferecesse subir a escadaria da penha de joelhos, entregar parte do dinheiro ganho à igreja ou à causas sociais, açoitar-se, carregar uma cruz por léguas, assim como Jesus.

Isso não é de hoje e não sei se tem explicação, desde que o mundo é mundo essa prática é usada por todo mundo.

Antes de Cristo sacrificava-se com sangue para que os deuses fornecessem vitória, fartura, fertilidade, sendo uma honra ser sacrificado, seja bicho ou gente. Ainda hoje muitos dogmas religiosos pregam essa mesma prática mesmo que com um sentido diferente.

Depois de Cristo a honra do sacrifício deu lugar à punição desse, até nas escrituras sagradas o tem. Justifica-se o sacrifício como sendo o meio encontrado para o ser humano dar valor ao que foi solicitado e ofertado. Se nada for sacrificado qual a lição aprendida com o ato? O ser humano não entende outra língua que não seja da dor e da privação.

O poeta colocou como se para as religiões Deus fosse sádico por, na visão delas, precisar ver o ser humano subjugado para lhe conceder algo.

Na bem da verdade, penso ser o ser humano o verdadeiro sádico pois além de impingir a si tais infortúnios, coloca o peso dessa barganha em cima do outro, quantas e quantas promessas são feitas para o outro cumprir e determinadas sem dó nem piedade, quanto mais esdrúxula melhor, não se oferta mais sangue, mas o suor, a dor e a privação surtem o mesmo efeito.

Não vejo sentido nessa prática, tudo que é feito sem sentido de ser e sem um objetivo claro e proveitoso só serve para escravizar o espírito e mantê-lo preso à roda da submissão.

Não estou, com isso, dizendo que não se deve pedir aos céus auxílio quando tudo que poderia ser feito pelo homem não deu resultado, o que estou dizendo é que acredito que não importa qual seja o Santo, Deus ou entidade a que seu pedido for direcionado, ele(s) vai(ão) preferir que use o proveito do pedido de forma que auxilie na sua evolução e na caridade ao próximo.

Porque não prometer ser uma pessoa melhor, usar parte de seu tempo para atender quem necessita, seja o próximo próximo ou nem tão próximo assim, se dedicar a transmitir e adquirir conhecimento, deixar de simplesmente ocupar espaço na terra e fazer jus à sua existência.

Muitos podem dizer que mesmo isso seria um sacrifício, não penso assim, quando se faz algo com o coração para melhorar a si e o mundo em que se vive não é sacrifício, é dar sentido ás segundas chances ou novos inícios oferecidos pelos deuses.

Quanto melhor estivermos conosco e com o outro, mais felizes e contentes os deuses estarão e mais bênçãos concederão, não são eles que nos querem sofrendo, somos nós que não entendemos que para viver não é preciso sofrer.