Esquerda ou direita? No movimento, aí vamos nós!
O movimento atrai significativamente minha atenção. Provável que desde meu estado fetal. Minha mãe costumava dizer que a única coisa que me fazia parar com as inoportunas acrobacias uterinas era o som das ondas do mar. Movimento: liquefeito estado do tempo.
Mas, movimentar-se pode ser algo singular ou plural. Por exemplo, em sociedade, exige-se mais do que se imagina. Não crê? Vamos lá.
A começar que em sua existência, você muscularmente nunca para. Se levarmos em conta a expectativa de vida do brasileiro como sendo de 76 anos (dado divulgado no levantamento do IBGE em 2018), chegamos a aproximadamente 2,7 bilhões de batimentos cardíacos durante essa vida.
Mas movimentar é um feito transitivo direto, pronominalmente também cabendo mover, pôr-se em movimento. Movimentar é mover. Dizem os léxicos, que mover é dar ou comunicar movimento. Nasceu do latinesco movere e significa o que se pôs a significar desde então.
O interessante então, é que o movimento nos envolve de modo físico e metafísico.
A plena movimentação do estado, tempo e forma. Do grão de areia até à rocha colossal. Heráclito de Éfeso percebeu que “ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. A vida, justamente é descoberta ao se perder vida. Tudo paradoxalmente colocado; racionalmente contraposto. A tal água que acalma e contém vida, é a mesma que assusta e pode aforgar.
Paradoxos. Como mover algo que não para imóvel? Ainda que parado, estou em movimento. Sou “bolista” declarado. Acredito que estamos numa terra em formado esférico, girando loucamente. Aqui, nessa pequena sala em que estou, com gravidade de pensar, sou movimento constante.
Girando mais alguns pontos: uns afirmam categoricamente que emoção também adveio do latim: ex movere. Seria a ligação mais remota do termo. Pôr para fora; mover para fora. Temos aí mais um tipo de movimento.
Fisicamente comprovado, mas de origem não sabida, outros atribuem a impulsos neurais de transmissibilidade eletroquímica. Ao que filósofos gastaram resmas e resmas de papel para denunciar a crise e perigo da “vontade”; “potência”; “razão de agir”; “Deus”.
Prefiro dizer que nisso especificamente, ainda que bata nos ombros de Schopenhauer, desconfie e Kant e beba umas com Hume, fico ainda no muro da interseccionalidade. Meio inerte. Nessa ainda estou parado sem conseguir chegar a alguma conclusão; então mesmo parado, estou em movimento do processo de convencimento próprio.
A Primeira Lei de Newton define:
“Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele”.
Então será que já que alguém sentiu a força de se emocionar, a emoção nunca mais foi esquecida? Permanece em seu movimento uniforme?Mover o “espírito” ao mundo, dirão ser um romântico apontamento. Lá vem esse papinho piegas. Sabia! Lamento informar que se está esperando saídas óbvias, eu apenas estou apresentando a entrada do labirinto.
Confesso que essa dualidade de tudo poder ser e não ser seja onde exista o beco escuro, em que tanto a metafísica e a ontologia fenomenológica tenham perseguido o algo além que escapou, mas habita bem ali. Naquela sensação de já ter visto tudo aquilo antes. Paradoxos.
A diferença para mim é o que realmente define, não a igualdade. Algo me diz, que algo só assim será, por não ser outra coisa, outra coisa, outra coisa ...
A origem dessa loucura toda? O coliseu moderno do trânsito! Carros e setas, com suas glórias de metal.
Venho observando como bom dia e obrigado vêm se reduzindo habitualmente. A inércia tendendo a produzir efeitos consideráveis, e me questiono até que ponto isso transcende a um grau de ressentimento numa esfera de jogos sociais.
A ideia de uma esfera privada superestimada pela forma de competitividade imposta por um modelo de capitalismo canibal. A ideia de mérito e a adoção simbólica de troféus sociais, para dar um ar de pompa ao fetiche de legitimação.
A irritação com o real; com o não bom dia dado, com a fechada de um carro, instiga necessariamente que haja uma necessária resposta entre a causa-efeito do fenômeno percebido.
E podemos notar, ainda que pareça banal: a falta de uma seta ou uma fechada, é elemento do mundo. Pode acontecer. A pergunta não seria se, mas estatisticamente, quando. Mais que isso, dirigir, incluir-se no trânsito, nessa espécie de movimento físico motorizado, é entrar num campo próprio de ação social interessante.
Vemos o ex movere atuar de maneira comunicacionalmente diversa, adaptada aos sinais próprios daquele campo. No trânsito, uma seta não é somente uma seta. É um sinal de respeito ao próximo. O não bom dia, vira uma não seta; o não obrigado, vira um desrespeito a um ciclista ou faixa de pedestre.
A não atenção ao próximo, vira a não atenção ao trânsito. O ressentimento, uma fechada. E sucessivamente é promovida uma relação alter – ego bem ali, projetada no outro. O movimento nunca é simples.
A violência no trânsito aumenta, dizem. Como anda a percepção da violência, indago. O mesmo agente violento no trânsito, é o que pode, quem sabe, deter violência fora dele.
Motoristas são pessoas, não estão estranhas ao mundo. O trânsito, elemento de nosso movimento revela muito de nossos movimentos internos. A interação com o mundo mais diz sobre nós mesmos que propriamente do mundo.
Uma simples seta, uma despreocupação com o público, com o outro, é algo sintomático não do trânsito, mas de nossa sociedade. É o peso do simbólico.
Dos espertos do acostamento aos sonegadores de impostos; dos agressores aos fechadores; dos desinteressados aos distraídos; dos indiferentes aos outros, aos que não dão seta.
E você? Para que lado anda se movendo?